Conceito de Aeronave

Por Paulo Henrique Stahlberg Natal.14/04/2020.

Parte do estudo do Direito Aeronáutico, assim como suas interações com demais disciplinas e ramos do direito, depende essencialmente da conceituação de aeronave.

Os conhecidos manuais técnicos de estudo que direcionam os estudos para a banca da ANAC, dividem as aeronaves (gênero) em aeróstatos e aerodinos (espécies). O mesmo sentido segue o Anexo 7, da Convenção de Chicago, de 1944 (Decreto n.º 21.713, de 27 de agosto de 1946).

Os primeiros (aeróstatos) são aeronaves conhecidas como “veículos mais leve que o ar”, baseadas no princípio de Arquimedes. Como exemplos, são citados balões e dirigíveis.

De outro lado, temos os aeródinos, cuja conceituação se funda no fato de serem "mais pesadas que o ar”, baseadas na Lei física da ação e reação. Exemplos são aviões de asa fixa, planadores, helicópteros.

Do ponto de vista legal, o Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei Federal n.º 7.565/1986) define aeronave no artigo 106, como sendo "todo aparelho manobrável em vôo, que possa sustentar-se e circular no espaço aéreo, mediante reações aerodinâmicas, apto a transportar pessoas ou coisas".

Em nível infralegal, o Regulamento Brasileiro de Aviação Civil, n.º 111, seguiu o C.B.A e tratou de definir aeronave como um bem móvel que possui as características de ser manobrável em voo, de sustentar-se e circular no espaço aéreo, mediante reações aerodinâmicas, e capaz de transportar pessoas e cargas.

O Superior Tribunal de Justiça (S.T.J.), decidindo a respeito da competência para processo e julgamento de crime aeronáutico, passou também pela discussão a respeito do conceito de aeronave. Nesse sentido, então, restou definido que a conceituação de aeronave deve ser aquela do Código Brasileiro de Aeronáutica, que por sua vez corresponde a conceituação de aeródinos pelos manuais técnicos de teoria de vôo e motores. Entendeu que o balão não é manobrável em voo como pressupõe o artigo 106, do C.B.A., porquanto depende essencialmente das correntes de ar para deslocar, sem maior possibilidade de controle mediante reações aerodinâmicas por parte do piloto condutor.

A questão, no caso do julgamento do Superior Tribunal de Justiça (S.T.J.), é relevante, porquanto necessária para apuração do foro competente para processo e julgamento de crime cometido a bordo de aeronave. Isto porque, nos termos da Constituição Federal e da jurisprudência do S.T.J., "É da competência da Justiça Federal processar e julgar delitos cometidos a bordo de aeronaves, nos termos do inciso IX do art. 109 da Constituição Federal, sendo importante ressaltar ressaltar ser despiciendo se a aeronave encontra-se em solo ou sobrevoando".

Pois bem, nessa quadra, no caso concreto analisado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), cuidava-se de homicídio culposo cometido por piloto de balão de ar quente, que chocou-se com outro balão, gerando resultado morte de ocupantes.

Instaurou-se, então, conflito de competência, posto que o Juízo de Direito Estadual, entendeu que se tratava de crime cometido a bordo de aeronave; como não houve concordância do Juízo Federal, este suscitou o conflito perante o STJ, o qual decidiu que balão não deve ser considerado aeronave para os fins do artigo 106 do CBA, fixando a competência para julgamento perante o Juízo Estadual de Boituva/SP.

A título ilustrativo do quanto explanado, transcrevo aqui o acórdão do Superior Tribunal de Justiça para conhecimento e eventual aprofundamento de pesquisa:

CONSTITUCIONAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. ACIDENTE AÉREO ENVOLVENDO BALÕES DE AR QUENTE TRIPULADOS. INQUÉRITO POLICIAL. HOMICÍDIOS CULPOSOS E LESÕES CORPORAIS CULPOSAS. DEFINIÇÃO JURÍDICA DE AERONAVE PARA FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL X JUSTIÇA ESTADUAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 106 DA LEI N. 7.565/1986. CONFLITO CONHECIDO. DECLARADA A COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO. 1. Conflito negativo de competência conhecido, porquanto se trata de incidente estabelecido entre juízes vinculados a tribunais diversos, nos termos do art. 105, I, "d", da Constituição Federal.2. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que "É da competência da Justiça Federal processar e julgar delitos cometidos a bordo de aeronaves, nos termos do inciso IX do art. 109 da Constituição Federal. Devendo-se ressaltar ser despiciendo se a aeronave encontra-se em solo ou sobrevoando." (CC 143.343/MS, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 30/11/2016) .3. O art. 106 da Lei n. 7.565/1986 estabelece que aeronave é "todo aparelho manobrável em vôo, que possa sustentar-se e circular no espaço aéreo, mediante reações aerodinâmicas, apto a transportar pessoas ou coisas".4. No caso em exame, contudo, ainda que de difícil definição jurídica, o termo AERONAVE deve ser aquele adotado pela Lei n. 7.565/1986 em seu art. 106, o que de fato, afasta dessa conceituação "balões de ar quente tripulados".5. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara Cível de Boituva/SP, o suscitado, para processamento e julgamento de eventual ação decorrente do IPL que deu origem ao presente conflito.(CC 143.400/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24/04/2019, DJe 15/05/2019).

Em arremate, entendemos, portanto, que a despeito da dificuldade técnico-jurídica a respeito de sua definição, o Brasil aderiu à corrente segundo a qual importa conceituar legalmente a aeronave, e assim o fez no Código Brasileiro de Aeronáutica, artigo 106, caput.

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