Por: Paulo Henrique Stahlberg Natal, 07/08/2020.
Questão tormentosa na jurisprudência e igualmente infausta para as empresas de transporte aéreo é aquela que diz respeito à indenização decorrente de atrasos nos voos, máxime aquela de cunho moral.
De início, cabe fixar as premissas para a discussão que se traçará a seguir.
O transporte aéreo de passageiros constitui uma das modalidades de serviço aéreo, conforme se extrai do artigo 174, do Código Brasileiro de Aeronáutica, in verbis: “Art. 174. Os serviços aéreos compreendem os serviços aéreos privados (artigos 177 a 179) e os serviços aéreos públicos (artigos 180 a 221).”
O artigo 175, do mesmo diploma, por sua vez, disciplina que“os serviços aéreos públicos abrangem os serviços aéreos especializados públicos e os serviços de transporte aéreo público de passageiro, carga ou mala postal, regular ou não regular, doméstico ou internacional”.
O transporte aéreo de passageiros, destarte, é uma atividade desenvolvida por empresas exploradoras desse específico nicho de serviços. São as conhecidas e denominadas Companhias Aéreas. Na forma do artigo 180, do Código de Aeronáutica, operam sempre mediante prévia concessão quando prestarem o transporte aéreo regular doméstico ou mediante designação e autorização no caso do internacional (artigo 203 a 213, do C.B.A.).
No presente artigo, portanto, delimitaremos o estudo apenas da questão atinente à responsabilidade civil pelos atrasos nos voos, para os operadores de serviço de transporte aéreo público regular de passageiros.
Feita esta breve delimitação, passamos a uma concisa e necessária recordação quanto à responsabilidade civil decorrente do contrato de transporte aéreo.
O Código Brasileiro de Aeronáutica, por intermédio de seu artigo 222, define que “pelo contrato de transporte, obriga-se o empresário a transportar passageiro, bagagem, carga, encomenda ou mala postal, por meio de aeronave, mediante pagamento”.
A definição trazida pelo Código de Aeronáutica de certa forma representa uma maior densificação do conceito geral de contrato transporte que vem veiculada no Código Civil, adequando-o ao modal específico: aeronave. Assim dispõe o artigo 730: Pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas.
A análise dessas conceituações normativas nos permite a aferição de algumas características desse tipo de contrato frente à tradicional classificação dos contratos, dentre as quais podemos listar: a) é um contrato bilateral; b) oneroso; c) comutativo; d) típico; e) consensual; f) de adesão; g) de resultado.
Dentre estas classificações expostas, mais nos interessa no propósito do presente debate, aquela atinente à obrigação de resultado. De efeito, a leitura dos artigos 737 e 749, do Código Civil revela que o transportador assume a obrigação de entregar pessoas (ou coisas) incólumes, no prazo e condições estabelecidos, de maneira que, se porventura extraviada a mercadoria ou lesada a pessoa e suas bagagens, exsurge a responsabilidade civil contratual. A mesma exegese é aquela decorrente da leitura do artigo 256, inciso II, do Código de Aeronáutica.
A rigor, a relação jurídica havida entre a Companhia Aérea e a pessoa transportada, é regulada pelas regras não apenas previstas no Código Civil e no Código Brasileiro de Aeronáutica, mas sobretudo naquelas contidas no Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/1990).
Com efeito, o artigo 731, do Código Civil reza que “o transporte exercido em virtude de autorização, permissão ou concessão, rege-se pelas normas regulamentares e pelo que for estabelecido naqueles atos, sem prejuízo do disposto neste Código.”
O Código de Aeronáutica, por sua vez, regulamenta em seu artigo 175,§2º, que “a relação jurídica entre o empresário e o usuário ou beneficiário dos serviços é contratual, regendo-se pelas respectivas normas previstas neste Código e legislação complementar, e, em se tratando de transporte público internacional, pelo disposto nos Tratados e Convenções pertinentes (artigos 1°, § 1°; 203 a 213)”.
Nessa quadra, importante destacar, portanto, que enquanto prestadoras de serviços públicos (artigo 37,§6º, da Constituição Federal de 1988), estão as transportadoras aéreas submetidas ao regime do Código de Defesa do Consumidor (arts.3º,§2º e 6º, inciso X e 22).
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, por seu turno, é uma estrutura normativa de sobredireito, com projeção horizontal, aplicando-se a todas situações que envolverem a relação de consumo (artigos 2º e 3º, do CDC). A esse respeito, veja-se a doutrina de Sérgio Cavalieri Filho, para quem a Lei n.º8.078/1990 revela verdadeira “sobre-estrutura jurídica multidisciplinar, aplicável em toda área do direito onde ocorrer uma relação de consumo” (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998).
No âmbito da lei consumerista a falha na prestação de serviços, conforme preconizado no artigo 14, induz a responsabilidade contratual objetiva do fornecedor de serviços. Outra não é a conclusão que se extrai da conjugação entre os artigos 734 e 737, do Código Civil, por meio dos quais fixou-se que a responsabilidade do transportador somente pode ser elidida no caso de força maior.
Pelo que se analisou até aqui, resta suficientemente claro que o contrato de transporte aéreo, a par de outras características, apresenta-se como obrigação de resultado, representado tal atributo na denominada cláusula de incolumidade, ínsita aos contratos de transporte em geral. E eventual descumprimento lhe rende dever reparatório independentemente de culpa, à vista do conjunto normativo vigente, sobretudo decorrente do Código de Proteção e Defesa do Consumidor e do Código Civil.
Fixadas em linhas breves - como retratado acima - a natureza da relação jurídica havida entre as partes contratantes do transporte, seguimos agora na questão relativa especificamente à hipótese de atraso no transporte contratado.
Conforme se disse alhures, o transportador se obriga, mediante a contraprestação representada pela tarifa paga pelo usuário/passageiro, a transporta-lo de um lugar a outro, comprometendo-se basicamente a dois primordiais resultados: a) entrega-lo são e salvo (incolumidade); b) e faze-lo no prazo estabelecido ou previsto (pontualidade).
Não por outra razão o Código Civil traçou no artigo 737 a seguinte regra: “O transportador está sujeito aos horários e itinerários previstos, sob pena de responder por perdas e danos, salvo motivo de força maior.”
Igual preocupação, revelada entretanto com maior elasticidade para o modal aéreo, é a que consta do artigo 230 do Código Brasileiro de Aeronáutica: “Em caso de atraso da partida por mais de 4 (quatro) horas, o transportador providenciará o embarque do passageiro, em vôo que ofereça serviço equivalente para o mesmo destino, se houver, ou restituirá, de imediato, se o passageiro o preferir, o valor do bilhete de passagem.” No mesmo compasso, também o artigo 231: “Quando o transporte sofrer interrupção ou atraso em aeroporto de escala por período superior a 4 horas, qualquer que seja o motivo, o passageiro poderá optar pelo endosso do bilhete de passagem ou pela imediata devolução do preço.”
No mesmo sentido, também o §4º, do artigo 256, do mesmo diploma, com redação dada pela Lei n.º 14.034/2020:
§4º A previsão constante do inciso II do § 1º deste artigo não desobriga o transportador de oferecer assistência material ao passageiro, bem como de oferecer as alternativas de reembolso do valor pago pela passagem e por eventuais serviços acessórios ao contrato de transporte, de reacomodação ou de reexecução do serviço por outra modalidade de transporte, inclusive nas hipóteses de atraso e de interrupção do voo por período superior a 4 (quatro) horas de que tratam os arts. 230 e 231 desta Lei.
Ao que se conclui do panorama legislativo, não basta que o transportador leve o passageiro ao destino contratado. É necessário que o faça nos termos avençados, atendendo-se às pactuações de data, horário, local de embarque e desembarque, acomodações, aeronave, etc.
No âmbito infralegal, tem-se regulamentação específica da Agência Nacional de Aviação Civil, manifestada na Resolução n.º400/2016. Este marco regulatório estabelece as condições gerais aplicáveis ao transporte aéreo regular de passageiros, doméstico e internacional, conforme se vê logo da leitura de seu artigo 1º.
Nessa normativa da ANAC podemos verificar pelo conteúdo dos artigos 12, 20, 21 e 30, a densificação regulatória da cláusula legal de pontualidade traçada pelos Códigos Civil e de Aeronáutica, no que tange à observância estrita dos prazos, datas e horários relativos ao contrato de transporte. Igualmente a Resolução normatiza os deveres anexos ou colaterais ao contrato de transporte, tais como a informação, a segurança, a lealdade e a assistência material.
Ocorre que nem sempre o que fora planejado e previsto se apresenta enquanto realidade, sobretudo na aviação.
A despeito da segurança que permeia os mais variados níveis desta atividade, nem sempre tudo sai conforme esperado. O mundo aeronáutico convive desde graves acidentes com centenas de mortes e resultados espraiados por todo o planeta (como no notório caso dos Boeing modelo 737-Max que foram impedidos de voar por defeitos de fabricação) até pequenos atrasos ou outras questões de menor relevância no cotidiano dos usuários e operadores.
A exploração desse ramo específico (atividade aérea de transporte) demanda altíssimos investimentos. Companhias aéreas devem organizar elementos de empresa de alto valor agregado, tais como produtos aeronáuticos, as próprias aeronaves, os serviços especializados de suporte, base operacional, pessoal altamente e continuamente treinado (aeronautas e aeroviários), combustíveis em grande quantidade, etc. Esses elementos quando somados, revelam altos custos operacionais.
De outro lado, o setor da aviação vive às voltas com grande exposição ao risco e margens de lucro bastante reduzidas.
Veja-se, aliás, que diversos motivos podem impactar no controle quanto à incolumidade da carga transportada e pontualidade dos voos, a exemplo: guerras e conflitos armados, disputas diplomáticas entre países, catástrofes climáticas, atentados terroristas e, mais recentemente, a própria declaração de Pandemia de uma doença (COVID-19).
Ao que se vê, a atividade de exploração do voo por equipamentos mais pesados que o ar está mesmo sujeita às mais diversas intempéries. Não por outro motivo as programações levadas a efeito relativamente aos horários de partida e chegada, previstas contratualmente, podem sofrer alterações, sejam elas voluntárias ou involuntárias.
Uma vez verificada faticamente a impontualidade e afastadas causas excludentes, desponta o questionamento quanto aos efeitos de tal descumprimento, primordialmente, o dano.
O transporte de pessoas, como dito linhas acima, é regulamentado pelos artigos 734 e seguintes, do Código Civil, que preveem a responsabilidade objetiva do transportador pelos danos causados às pessoas transportadas, regra esta mantida pelo disposto do artigo 14, da Lei nº 8.078/90 (C.D.C.).
Assim, para o dever de reparação basta somente a comprovação do dano e de seu nexo causal, carreando à Companhia o ônus da prova quanto ao fato excludente, tal como o fortuito externo ou força maior. Nesse sentido, inclusive, há vasta jurisprudência dos Tribunais.
Certo é, portanto, que o dever de pontualidade possui tratamento em todos os diplomas aplicáveis, tais como o Código Civil, o Código de Aeronáutica, a Resolução n.º 400/2016, da ANAC e o próprio Código de Defesa do Consumidor. E em todos eles, o descumprimento do aludido preceito induz o dever reparatório pelos danos porventura sofridos ante o inadimplemento parcial.
Questão, contudo, que sempre gerou controvérsia prática nas mais variadas Cortes de Justiça, é aquela atinente ao dano extrapatrimonial decorrente da falha na execução do contrato de transporte, máxime quando esta falha for referente à impontualidade.
Por longos anos a jurisprudência que se formou no Brasil era no sentido de que o dano moral era inerente ao próprio cancelamento ou atraso, os quais acarretavam perda de tempo e angústia ao passageiro. Para autores como VENOSA, “não há necessidade que se comprove intensa dor física: o desconforto anormal, que ocasiona transtornos à vida do indivíduo, por vezes, configura um dano indenizável, como, por exemplo, o atraso ou cancelamento de um voo ou um título de crédito indevidamente protestado” (Sillvio de Salvo Venosa, Direito Civil, 5ª Ed., São Paulo, Ed. Atlas, 2005, vol. II, p.365). No mesmo sentido, ainda, CAVALIERI, ao expor que “por se tratar de algo imaterial ou ideal, a prova do dano moral não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material. Seria uma demasia, algo até impossível, exigir que a vítima comprove a dor, a tristeza ou a humilhação através de depoimentos, documentos ou perícia; não teria ela como demonstrar o descrédito, o repúdio ou o desprestígio através dos meios probatórios tradicionais, o que acabaria por ensejar o retorno à fase da irreparabilidade do dano moral em razão de fatores instrumentais”.(Sergio Cavalieri Filho, Programa de Responsabilidade Civil, 7ª Ed. Atlas, 2007, p.83).
A discussão marchou pelas instâncias judiciais tendo chegado finalmente ao Colendo Superior Tribunal de Justiça, o qual firmou entendimento pela ocorrência dano moral presumido nas hipótese de atraso e cancelamento de voo, justamente em virtude da demora, desconforto, aflição e dos transtornos suportados pelo passageiro, de maneira que entendia não ser exigível a prova de tais fatores.
Entretanto, por ocasião do julgamento do Recurso Especial n.º 1.584.465-MG, da 3ª Turma, julgado em 13.11.2018, publicado no Dje de 21.11.2018, sob relatoria da Ministra Nancy Andrighi, pese não unânime ou vinculativo naquela Corte, houve sinalização pela alteração de posicionamento no âmbito daquela Colenda Corte. Assim restou ementado referido julgamento:
DIREITO DO CONSUMIDOR E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO DE DANOS MORAIS. PREQUESTIONAMENTO.AUSÊNCIA. SÚMULA 282/STF. ATRASO EM VOO INTERNACIONAL. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. EXTRAVIO DE BAGAGEM. ALTERAÇÃO DO VALOR FIXADO A TÍTULO DE DANOS MORAIS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ.1. Ação de reparação de danos materiais e compensação de danos morais, tendo em vista falha na prestação de serviços aéreos, decorrentes de atraso de voo internacional e extravio de bagagem.2. Ação ajuizada em 03/06/2011. Recurso especial concluso ao gabinete em 26/08/2016. Julgamento: CPC/73.3. O propósito recursal é definir i) se a companhia aérea recorrida deve ser condenada a compensar os danos morais supostamente sofridos pelo recorrente, em razão de atraso de voo internacional; e ii) se o valor arbitrado a título de danos morais em virtude do extravio de bagagem deve ser majorado.4. A ausência de decisão acerca dos argumentos invocados pelo recorrente em suas razões recursais impede o conhecimento do recurso especial.5. Na específica hipótese de atraso de voo operado por companhia aérea, não se vislumbra que o dano moral possa ser presumido em decorrência da mera demora e eventual desconforto, aflição e transtornos suportados pelo passageiro. Isso porque vários outros fatores devem ser considerados a fim de que se possa investigar acerca da real ocorrência do dano moral, exigindo-se, por conseguinte, a prova, por parte do passageiro, da lesão extrapatrimonial sofrida.6. Sem dúvida, as circunstâncias que envolvem o caso concreto servirão de baliza para a possível comprovação e a consequente constatação da ocorrência do dano moral. A exemplo, pode-se citar particularidades a serem observadas: i) a averiguação acerca do tempo que se levou para a solução do problema, isto é, a real duração do atraso; ii) se a companhia aérea ofertou alternativas para melhor atender aos passageiros; iii) se foram prestadas a tempo e modo informações claras e precisas por parte da companhia aérea a fim de amenizar os desconfortos inerentes à ocasião; iv) se foi oferecido suporte material (alimentação, hospedagem, etc.) quando o atraso for considerável; v) se o passageiro, devido ao atraso da aeronave, acabou por perder compromisso inadiável no destino, dentre outros.7. Na hipótese, não foi invocado nenhum fato extraordinário que tenha ofendido o âmago da personalidade do recorrente. Via de consequência, não há como se falar em abalo moral indenizável.8. Quanto ao pleito de majoração do valor a título de danos morais, arbitrado em virtude do extravio de bagagem, tem-se que a alteração do valor fixado a título de compensação dos danos morais somente é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada, o que não ocorreu na espécie, tendo em vista que foi fixado em R$ 5.000,00 (cinco mil reais).9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.(REsp 1584465/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/11/2018, DJe 21/11/2018).
O que restou decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, portanto, é que o atraso, a mera demora, em que pese represente falha no cumprimento do contrato de transporte, não acarreta um dano moral presumido.
Na esteira do quanto lá decidido, para se aferir a ocorrência do dano extrapatrimonial devem ser alegadas e comprovadas outras circunstâncias que envolvem o caso concreto, tais como, a exemplo: “: i) a averiguação acerca do tempo que se levou para a solução do problema, isto é, a real duração do atraso; ii) se a companhia aérea ofertou alternativas para melhor atender aos passageiros; iii) se foram prestadas a tempo e modo informações claras e precisas por parte da companhia aérea a fim de amenizar os desconfortos inerentes à ocasião; iv) se foi oferecido suporte material (alimentação, hospedagem, etc.) quando o atraso for considerável; v) se o passageiro, devido ao atraso da aeronave, acabou por perder compromisso inadiável no destino, dentre outros” .(REsp 1584465/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/11/2018, DJe 21/11/2018).
Seguindo este entendimento firmado pelo Tribunal Superior responsável pela unificação da lei federal no País, o legislador - por intermédio da Lei n.º14.034/2020 - recentemente promoveu o acréscimo do artigo 251-A, ao Código Brasileiro de Aeronáutica, cuja redação pede-se vênia para aqui transcrever:
Art. 251-A. A indenização por dano extrapatrimonial em decorrência de falha na execução do contrato de transporte fica condicionada à demonstração da efetiva ocorrência do prejuízo e de sua extensão pelo passageiro ou pelo expedidor ou destinatário de carga.
Importante situar em que contexto sobreveio tal alteração legislativa.
É fato notório a declaração de Pandemia de COVID-19. Igualmente cediço que as medidas restritivas de isolamento social conduziram o setor aéreo a verdadeiro colapso, gerando imensa redução na malha aérea ofertada por falta de passageiros.
Nesse cenário o governo federal editou a Medida Provisória n.º 925/2020, que dispunha sobre medidas emergenciais para a aviação civil brasileira em razão da pandemia da Covid-19. O texto do ato presidencial, no entanto, não trazia previsão a respeito do acréscimo do artigo 251-A, ao Código Brasileiro de Aeronáutica.
Com quatro artigos, a referida Medida Provisória permitiu a postergação de pagamentos à União das parcelas das outorgas de concessões aeroportuárias, e alongou o prazo para reembolso de passagens aéreas de sete dias para um ano, e suspendeu as multas por cancelamento de passagens para os consumidores que aceitassem receber créditos junto à empresa aérea.
No prazo regimental, foram apresentadas 79 emendas por Deputados e Senadores. Na Câmara dos Deputados, o relatório, de autoria do Deputado Arthur Oliveira Maia, introduziu novas emendas e, durante a discussão em Plenário daquela Casa, foram apresentadas outras 27 emendas. O resultado final foi o Projeto de Lei de Conversão (PLV) nº 23, de 2020.
Segundo se extrai do parecer n.º 84, do Plenário do Senado Federal, de relatoria do Senador Eduardo Gomes, a alteração legislativa teria sido motivada pelo excesso de judicialização das relações de transporte aéreo, in verbis:
“Segundo o relator da MPV na Câmara, a inclusão do art. 4º se destina a rever a responsabilidade contratual dos transportadores, visto que há, em sua opinião uma “excessiva judicialização nas relações de consumo”, que representou um impacto de “aproximadamente 1% dos custos e despesas operacionais das empresas aéreas brasileiras, [...] equivalente a R$ 311 milhões”. De fato, é notória nesse campo a lacuna que permite comportamentos oportunistas por parte de consumidores inescrupulosos, em especial nos tempos atuais.”
Em que pese não seja objetivo deste artigo discutir a respeito da judicialização do transporte aéreo, nos quer parecer que a introdução do referido artigo foi inoportuna e fora do propósito inicial das medidas emergenciais para o Setor Aéreo, desatendida a necessária, sadia e democrática ampla discussão do tema na sociedade civil, a envolver todos os que se relacionam nessa atividade, do consumidor ao transportador.
O que se viu, entretanto, foi a alteração definitiva do C.B.A., com introdução de dispositivo que não condiz com medida emergencial de enfrentamento da pandemia, sem maiores discussões na sociedade civil.
Aliás, a própria exposição de Motivos nº 10, de 2020, do Ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, justificou a adoção da Medida Provisória pela necessidade de “promover um alívio imediato no fluxo de caixa das empresas do setor de aviação civil”, já que a “queda brusca na demanda por serviços de transporte aéreo provocada pela pandemia do Coronavírus (COVID-19)” causando forte pressão sobre o fluxo de caixa das empresas.
A ideia inicial da medida provisória era promover determinadas medidas temporárias, para de forma emergencial dar um melhor amparo para as empresas de transporte aéreo enfrentarem o delicado momento de redução da demanda. Para tanto, bastavam medidas específicas e com prazos de validade pré-determinados. Não foi o que aconteceu com a introdução do artigo 251-A, do C.B.A, que acresceu dispositivo novo versando sobre o tratamento do dano extrapatrimonial no âmbito do transporte aéreo.
Em conclusão: assim posta a norma em vigor, desde que atendidos os pressupostos constitucionais de tramitação da espécie legislativa, cabe o respeito ao seu cumprimento.
Nesse cenário, numa primeira leitura do novel dispositivo, quer nos parecer que havendo antinomia aparente de normas entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil, com o Código Brasileiro de Aeronáutica, este último prevalecerá pelo critério da especialidade.
De outro lado, é posição corrente e amplamente utilizada nos Tribunais, que o dano moral é presumido em matéria de consumo, não havendo se falar em prova em si da repercussão extrapatrimonial, devendo sim ser comprovado o fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam. Agregue-se a isso, que a prova de tais danos na generalidade, é extremamente difícil de ser produzida pelo consumidor em razão de sua hipossuficiência técnica, fatores estes que podem pesar no modo de decidir do julgador.
Assim posta a questão, o seguir dos acontecimentos e a judicialização haverão de apontar qual será o caminho a ser seguido e qual tese sagrar-se-á vencedora.
Autor: Paulo Henrique Stahlberg Natal
Data: 07/08/2020.
======================================