Breves considerações sobre a definição de espaço aéreo
Por: Paulo Henrique Stahlberg Natal.
Data: 26/01/2021.
O Direito Aeronáutico, assim classificado como ramo autônomo na classificação decimal do Direito, tem por objeto principal regular a navegação aérea e o uso das aeronaves, assim como das áreas com infraestrutura para sua movimentação, além de versar as respectivas responsabilidades jurídicas.
Com base nessa ideia, compartilhamos o conceito difundido na doutrina nacional, da lavra de PACHECO, para quem “O Direito Aeronáutico, assim considerado, consiste no conjunto de normas jurídicas sobre a matéria aeronáutica, abrangente da navegação aérea, tráfego aéreo, infraestrutura aeronáutica e aeroportuária, atos e serviços, direta ou indiretamente relacionados ao voo de aeronaves”[1].
A circulação e a navegação aérea, realizadas por aeronaves, ocorre justamente dentro de um espaço delimitado, descolado do solo, denominado espaço aéreo.
Aliás, o domínio da arte e da técnica do voo seguro se subsumem na fixação de um trinômio, que serve, inclusive, como integrante da filosofia SIPAER[2], o qual pode ser expressado como: “O Homem, a Máquina e o Meio”.
O fator humano (O Homem) compreende a dimensão biológica, psicológica e fisiológica do aeronavegante. O fator material (A Máquina), por seu turno, engloba as aeronaves e o sistema de engenharia aeronáutica como um todo. Por último, o fator operacional (O Meio) está a compreender o ambiente em que se realizam as atividades aeronáuticas, incluindo aí o meio-ambiente (ar, a terra e a água), os fenômenos naturais e também a infraestrutura aeroportuária, criada e manejada para uso específico da atividade aeronáutica.
A base do direito aeronáutico à similitude dos vetores componentes desse trinômio, também pode ser tripartida. A própria estrutura do Código Brasileiro de Aeronáutica envolve de certa forma, em seu eixo principal, a disposição organizada destes três fatores.
Veja-se que referido diploma cuida, nos Título II e III, do Espaço Aéreo e da Infraestrutura Aeronáutica, aí incluindo em seus capítulos e artigos, as regras de tráfego aéreo, uso do espaço aéreo, entrada e saída de aeronaves, proteção ao voo, busca e salvamento, entre outros temas. Tem-se aqui, a dimensão operacional do direito aeronáutico.
O Título IV, corresponde àquela dimensão do fator material, pois se ocupa de traçar as regras relativas às aeronaves, sua propriedade, formas de exploração, registro, matrícula e aeronavegabilidade.
No Título V, por sua vez, podemos ver o fator humano, pois ali a lei se dedica à regulamentação da interação humana com a atividade aérea, sobretudo na questão da operação sob a perspectiva dos aeronautas.
Assentada essa premissa, cabe lembrar que já estudamos, ainda que de forma breve em outro artigo de nossa autoria, a definição de aeronave, tanto do ponto de vista legal quando na visão jurisprudencial (Clique Aqui para acessar o artigo).
Neste texto, pretendemos fixar algumas bases, então, quanto ao meio em que tais aeronaves circulam e navegam: o espaço aéreo.
De início, poder-se-ia entender como espaço a extensão que contém tudo quanto se conhece, se vê, se projeta, se sente, se toca e se mede, não apenas na face de nosso Planeta, mas também estendendo-se até o espaço infinito. Mas este conceito é por demais elástico.
Daí porque a doutrina especializada acaba por dividir de forma racional e com algum critério, o espaço aéreo da seguinte forma: espaço aéreo interior/interno e espaço aéreo exterior/externo, sendo que o primeiro compreende o espaço gravitacional, onde se localiza a atmosfera terrestre, e o segundo a partir dali se inicia; separa-se, então, no espaço como um todo, um limite a partir do qual não se há mais falar em navegação aérea fundada em aeronaves, mas aeroespacial, com exploração do espaço cósmico.
Podemos definir o espaço aéreo, como sendo uma porção da atmosfera que se eleva sobre o território, a partir do nível do solo, ou do mar. É, portanto, uma projeção tridimensional.
Conforme ensina PACHECO[3], o espaço aéreo pode ser visto sob diferentes aspectos: a) como propriedade; b) em sua extensão horizontal; c) na extensão vertical; d) e sob o aspecto da soberania.
Na sua interação com o direito de propriedade, o espaço é um bem comum; apesenta-se, também, como parte abrangente do direito de propriedade traçado na legislação civil (artigo 1229, do Código Civil), pois esta abrange o solo, o sub-solo e o espaço aéreo imediatamente superior até onde lhe for útil ao seu exercício.
Sob o aspecto da extensão horizontal, o espaço aéreo é visto como a projeção da atmosfera sobre o território do País[4]; e neste conceito de território, bom registrar, está incluído o denominado Mar Territorial, de modo que o espaço aéreo brasileiro, compreende, além dos limites físicos de toda extensão continental, também aquele existente sobre a faixa de 12 milhas náuticas do nosso litoral[5].
Sob a perspectiva da soberania, cabe questionar a quem pertence o espaço aéreo, de maneira a definir se a sua utilização é absolutamente livre ou se está sujeita a controle da nação sobre cujo território se projeta. Nesse sentido, então, de forma bastante resumida, podemos assentar que para definição dessa natureza jurídica do espaço aéreo, surgiram duas principais e opostas correntes a respeito.
A primeira, que defendia a livre circulação de aeronaves por todo espaço aéreo; e a segunda, por sua vez, que fincava sua base no princípio de que a soberania do Estado também se seguia no espaço aéreo sobrejacente ao seu território.
A soberania, importante relembrar, “é uma relação jurídica de ordem política, exprimindo a auctoridade (sic) superior do Estado sobre as pessoas e as coisas que se acham em seu território”[6].
Até que se alcançasse a prevalência da natureza jurídica da soberania do espaço aéreo projetado sobre o território, outras teorias surgiram, desde aquelas que advogavam simplesmente a total liberdade de sobrevoo, de uso de um espaço aéreo comum que não pertenceria a ninguém exclusivamente, passando por algumas que fixavam alturas máximas ou zonas até onde, à época, se presumia necessária a restrição de tráfego por questões de segurança, sobretudo militar.
A primeira e mais importante adoção do princípio da soberania sobre o espaço aéreo sobrejacente ao território ocorreu por ocasião da Convenção de Navegação Aérea de Paris, de 13 de outubro de 1919. As demais Convenções que se seguiram sobre o assunto, tais como a de Madri de 1926, Havana em 1928 e Chicago em 1944, igualmente seguiram esta teoria, firmando tal principiologia nas bases do direito aeronáutico internacional.
Atualmente, o principal documento internacional que contém a enunciação da referida teoria de soberania é a Convenção sobre Aviação Civil Internacional, de Chicago, datada de 1944, que por sua vez foi promulgada no Brasil por intermédio do Decreto n.º 21.713, de 27 de agosto de 1946, a qual assim dispõe logo em seus artigos 1º e 2º:
ARTIGO 1º
Soberania
Os Estados contratantes reconhecem ter cada Estado a soberania exclusiva e absoluta sôbre o espaço aéreo sôbre seu território.
ARTIGO 2º
TERRITÓRIOS
Para os fins da presente Convenção, considera-se como território de um Estado, a extensão terrestre e as águas territoriais adjacentes, sob a soberania, jurisdição, proteção ou mandato do citado Estado.
Seguindo a diretriz traçada na Convenção de Chicago de 1944, o atual Código Brasileiro de Aeronáutica enuncia que:
Art. 11. O Brasil exerce completa e exclusiva soberania sobre o espaço aéreo acima de seu território e mar territorial.
E no projeto de lei de novo Código Brasileiro de Aeronáutica (PLS 258/2016), há disposição semelhante, que também segue a regra fixada na Convenção Internacional:
Art. 12. A República Federativa do Brasil exerce completa e exclusiva soberania sobre o espaço aéreo acima de seu território e mar territorial, bem como jurisdição sobre o espaço aéreo acima da zona econômica exclusiva.
No que tange ao aspecto da verticalidade, ou seja, até onde se estende o espaço aéreo soberano de um País, inexiste posicionamento estanque ou uníssono a respeito.
Também não há definição acordada entre os Estados Soberanos por intermédio de Tratado Internacional, a indicar até qual altura esta coluna atmosférica de soberania se estende.
Nos primórdios das atividades aéreas, por volta da primeira década do século XX, autores existiram que sustentavam que o espaço aéreo soberano se estendia até alturas entre um mil e um mil e quinhentos metros. Evidentemente que poucos anos depois, já na segunda década do século XX, notou-se o rápido desenvolvimento das atividades aeronáuticas, sobretudo após o final da primeira guerra mundial, pelo que se percebeu que a essa altitude não era mais razoável em função do poder da evolução tecnológica que se descortinava.
Outros se filiam à corrente de que o espaço aéreo soberano se projeta desde a superfície do território até o limite da atmosfera.
Na falta de critérios, Estados, Organismos e Entidades, fixaram conceitos do que consideram como atmosfera.
Nesse sentido, podemos citar que para a Federação Aeronáutica Internacional, considera-se atmosfera a coluna de ar de 100 km de altura, iniciada ao nível do mar; esse limite entre a atmosfera e o espaço exterior chama-se Linha de Kármán.
De outro lado, a Administração Federal de Aviação (FAA), a Força Aérea dos Estados Unidos (USAF), a NOAA e a NASA, fixam essa fronteira a 80 quilômetros de altitude, ou cerca de 62 milhas.
Conforme se nota, não há realmente como se afirmar com segurança jurídica, onde termina o "espaço aéreo" e onde começa o "espaço sideral".
Entretanto, filiamo-nos ao critério utilizado por Hélio de Castro Farias, citado por SILVA (citar o livro da Unisul). Sua teoria se relaciona diretamente com a conceituação de aeronave traçada pelo artigo 106 do Código Brasileiro de Aeronáutica. Por este dispositivo, “considera-se aeronave todo aparelho manobrável em voo, que possa sustentar-se e circular no espaço aéreo, mediante reações aerodinâmicas, apto a transportar pessoas e coisas”.
Com base nessa premissa, conclui-se que a partir de determinada altura, em que não seja mais possível a esses aparelhos (aeronaves) mediante reações aerodinâmicas, manter-se em voo reto e nivelado, não há mais se falar em espaço aéreo.
Conforme vimos neste breve artigo, portanto, o espaço aéreo é um conceito abrangente, cujas dimensões se projetam em diferentes aspectos, tais como direito de propriedade, servidão de passagem inocente, extensão horizontal, limites verticais, imposição de soberania, apenas para citar os principais.
Todas essas variantes apresentam-se de extrema importância para delimitação do campo de atuação do Direito Aeronáutico, uma vez que este é o “conjunto de normas que regulam as relações jurídicas com a navegação aérea, o transporte aéreo no campo doméstico e internacional e a aviação civil em geral, ou seja, a movimentação de aeronaves no espaço com acentuada influência do ar” (HELIO DE CASTRO FARIAS – Noções Elementares de Direito Aeronáutico, 2011. Disponível em https://sbda.org.br/textos/).
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Paulo Henrique Stahlberg Natal, em 26/01/2021.
REFERÊNCIAS:
[1] PACHECO, José da Silva. Comentários ao Código Brasileiro de Aeronáutica. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006.
[2] Significa investigar os fatores contribuintes de um acidente ou incidente grave, para evitar, prevenir futuras ocorrências, não tem finalidade punitiva.
[3] PACHECO, José da Silva. Comentários ao Código Brasileiro de Aeronáutica. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006, p. 41.
[4] Segundo José Afonso da Silva, “território é o limite espacial dentro do qual o Estado exerce, de modo efetivo e exclusivo, o poder de império sobre pessoas e bens” (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p.98).
[5] O mar territorial brasileiro compreende uma faixa de doze milhas marítima de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular, tal como indicada nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente no Brasil (artigo 1º, Lei Federal n.º 8.617/1993). A soberania do Brasil estende-se ao mar territorial, ao espaço aéreo sobrejacente, bem como ao seu leito e subsolo. Nesse sentido o artigo 2º da referida lei.
Importante registrar que de acordo com a Constituição Federal de 1988, o mar territorial é considerado bem da União (art. 20, in
[6] BEVILACQUA, Clovis. Direito Público Internacional, a Synthese dos Princípios e a Contribuição do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1911.