SKIPLAGGING: Dilema ético e legal.

Por Paulo Henrique Stahlberg Natal.

14/04/2020.

De partida, devemos entender o que vem a ser skiplagging. Por questão didática, vamos seguir uma explicação que parte de exemplo prático, não se preocupando com a definição e/ou conceituação técnica, científica. Nesse sentido, então, imaginemos que você deseja fazer um voo entre Campinas e Brasília, mas a tarifa é muito cara, afinal trata-se de rota bastante concorrida. Você compra, então, uma passagem de Campinas para Manaus com escala em Brasília, porque custa menos do que o voo direto; entretanto, desembarca em Brasília, seu ponto de escala no meio do caminho, sem se utilizar o trecho final da passagem.

É justamente essa técnica encontrada pelo usuário para, de certa forma, burlar o sistema de precificação das companhias aéreas, que se convencionou chamar de skiplagging.

Este comportamento do consumidor vem sendo alvo de discussão em diversos países do mundo, máxime diante da existência, inclusive, de sites que auxiliam o viajante a localizar as melhores rotas com "cidades escondidas", permitindo a chegada ao destino procurado por um custo menor.

Posta a premissa acima, numa breve análise não exauriente a seu respeito, destaco dois importantes aspectos relacionados a tal prática: o dilema ético e legal de um lado, e o financeiro de outro.

Do ponto de vista do mercado consumidor, não haveria, em tese, ilegalidade em recorrer a tal prática, de modo que o usuário do serviço se utiliza das técnicas, diligências, pesquisas e mecanismos que lhe são ofertados, de modo a obter o melhor resultado com seu orçamento (custo/benefício). Dessa forma, ele paga pela passagem "cheia" numa rota não direta, e desembarca no ponto de escala, deixando de cumprir o restante do trajeto adquirido.

Aqui, a meu sentir, inexiste infração legal, ao menos sob a ótica do direito do consumidor, porquanto a compra do serviço/produto não lhe obriga o uso por completo.

E se por um lado questiona-se a ética na conduta do consumidor em tirar proveito deste tipo de prática, não é menos verdade, de outra ponta, que as companhias aéreas ficaram preocupadas justamente em virtude da redução de seus ganhos, o que, a despeito do livre mercado, também não deixa de ser um problema ético na via inversa, frente ao usuário, que se sente aviltado com as altas tarifas cobradas em determinados trechos não raras vezes explorados por diversas companhias.

Fato é, que do ponto de vista do orçamento empresarial das companhias aéreas, este tipo de prática que vem se desenvolvendo e propagando entre o mercado consumidor, pode produzir relevantes impactos negativos.

Em primeiro lugar, na elaboração de uma estratégia de operação, não serão facilmente identificáveis as necessidades do usuário/consumidor do serviço, pois, a priori, parte-se da premissa - e previsão futura das vendas - considerando o destino final do bilhete emitido, não a "cidade oculta" onde ocorreu a escala e desembarque.

Em segundo lugar, a prática impacta diretamente na receita das companhias aéreas à medida que elas não conseguem maximizar seus ganhos; isso porque, se tivessem vendido o assento para o voo direto, teria efetivado a venda por um valor mais alto. Outrossim, em virtude do contrato inicialmente firmado com o consumidor, a companhia aérea não poderá vender essa "perna" para outro pretenso usuário do serviço, sob pena de praticar overbooking.

Em terceiro lugar, haverá, ainda, alguma repercussão nas receitas decorrentes de vendas de produtos/serviços, porquanto reduz-se, por exemplo, eventual consumo a bordo das aeronaves, máxime em vôos mais longos.

Em quarto lugar, poderíamos notar também a maior dificuldade em gerir os embarques, resultando atrasos em virtude da não apresentação do passageiro. Isso tudo reflete em aumento do tempo em solo, o que pode produzir relevante impacto financeiro negativo, como por exemplo, aquele decorrente da cobrança de tarifas nos aeroportos pelo atraso e permanência do avião em solo.

Diante de todo esse cenário, não se pode perder de vista que os operadores de serviços de transporte aéreo trabalham com reduzida margem de lucro, sobretudo em razão de alguns fatores determinantes, tais como, por exemplo, a flutuação inflacionária, cambial e do preço dos combustíveis, ingerências estatais e alterações no cenário macroeconômico (guerras, pandemias), e qualquer redução nas margens de receita e lucro, pode comprometer o orçamento estratégico da empresa.

A penalização do consumidor conforme vem se aventando, embora fundada nas condições estipuladas no contrato de transporte aéreo firmado, não me parece a mais adequada solução do problema, seja sob a ótica exclusivamente jurídica, fundada, em nosso caso, no Brasil, no Código de Proteção e Defesa do Consumidor (lei n.8078/1990), seja do ponto de vista ético, pois estaríamos individualizando os lucros (empresas aéreas) e socializando os prejuízos (consumidores).

Se por um lado, nossa Constituição Federal de 1988, fixou que a ordem econômica tem suas bases principiológicas fundadas na livre iniciativa, preservação da propriedade privada, liberdade econômica e de concorrência, por outro, não descurou da defesa do consumidor também enquanto princípio estruturante desse sistema (artigo 170, incisos IV E V, da CF/88). Há, portanto, evidente colisão de princípios constitucionais, cuja solução hodiernamente se alcança mediante a interpretação harmônica e sistemática, à vista da razoabilidade e da proporcionalidade.

Penso, contudo, em cenário mais amplo e não meramente jurídico, que a solução para superar este tipo de prática (que acaba em última análise decorrendo do exagerado valor cobrado em alguns trechos), passa pela ampliação da concorrência nessas rotas diretas mais desejadas pelos usuários, de modo que, havendo outros diversos players competindo, os preços tendem a ser reduzidos. Desse modo, estaríamos preservando, harmonizando e equilibrando, tanto os direitos constitucionais do usuário consumidor como aqueles princípios atinentes à livre iniciativa e à ordem econômica.

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