SENTENÇA
Processo Digital nº: 1005649-47.2021.8.26.0533
Classe - Assunto Procedimento Comum Cível - OUTROS
Requerente: Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola - Sindag
Requerido: Prefeitura Municipal de Santa Bárbara d'Oeste
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Paulo Henrique Stahlberg Natal
Vistos.
Trata-se de ação ordinária ajuizada pelo Sindicado Nacional das Empresas de Aviação Agrícola – Sindag contra a Prefeitura Municipal de Santa Bárbara d´Oeste. Narram referidas empresas estarem devidamente representadas pelo Sindicato Nacional da categoria; prossegue narrando que exercerem elas atividade de pulverização e controle de pragas por meio da aviação agrícola. Ocorre, contudo, que foram surpreendidas pela sanção da Lei Municipal n.º 4.235/2021, a qual proibiu o exercício da atividade de pulverização aérea de defensivos agrícolas no âmbito deste Município. Discorrem a respeito da inconstitucionalidade da lei, sobretudo por invadir competências da União e do Estado, violando ainda, demais princípios constitucionais invocados, como o livre exercício da atividade, a livre concorrência, a igualdade e a dignidade humana. Requereu a procedência da ação para que seja permitido o exercício regular das atividades de pulverização por meio de aviação agrícola neste Município e Comarca, afastando-se o óbice imposto pela supracitada lei municipal. Acostou documentos.
Deferida a liminar (fls.268/271).
Contestação às fls.280/293. Preliminarmente, postulou o indeferimento da petição inicial por falta de adequação do meio processual escolhido, uma vez que foi questionada abstratamente a lei municipal em seu sentido formal e material. Aponta que a arguição de inconstitucionalidade via ação ordinária, tal como pretendido, só poderia ocorrer de forma incidental e como causa de pedir. No mérito, discorreu sobre o processo de aprovação da referida lei, apontando o acerto das comissões e do parecer favorável da procuradoria municipal. Defendeu, ainda, ser de competência municipal concorrente legislar sobre direito ambiental.
Sobreveio réplica às fls.346/362.
Parecer do Ministério Público às fls.374/376.
É o relatório. Decido.
O processo comporta julgamento antecipado na forma do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, uma vez que resta apenas questão de direito a ser solucionada à vista da prova documental anexada aos autos. Outrossim, as partes não manifestaram interesse na dilação probatória.
De início, rejeito a preliminar aventada pela Municipalidade. Com efeito, não há se confundir a declaração de inconstitucionalidade incidental com o controle concentrado de constitucionalidade. No caso, o pedido formulado pela parte autora é para que “seja declarada a não proibição da atividade de aviação agrícola no município de Santa Bárbara d'Oeste” (fls.28, item “d”). A causa de pedir, contudo, reside, aí sim, na inconstitucionalidade da legislação municipal. E como é cediço, o controle difuso de constitucionalidade pode ser exercido por todos os Juízes e Tribunais, em qualquer grau.
No caso, portanto, a controvérsia constitucional surge como uma questão prejudicial de mérito da pretensão deduzida em juízo. Logo, não há declaração de inconstitucionalidade, mas o afastamento dos efeitos de uma norma tida por inconstitucional para um determinado caso concreto. Por conseguinte, esta decisão só vale para as partes no caso concreto sub judice. Daí não se poder argumentar que a ação foi utilizada como sucedâneo para controle concentrado de constitucionalidade como postulado pela parte requerida.
Nesse sentido, aliás, a jurisprudência vem reconhecendo a possibilidade de declaração incidental de inconstitucionalidade até mesmo nas ações civis públicas, em que sabidamente seus efeitos são erga omnes:
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Alegação de que agentes públicos foram nomeados com base em lei eivada de inconstitucionalidade Lei que teria repetido os mesmos motivos que levaram lei anterior a ser declarada inconstitucional pelo órgão Especial desta Corte Pleito de demissão, condenação por improbidade das autoridades envolvidas, e ressarcimento ao erário Ação civil pública como meio adequado para o reconhecimento incidental de inconstitucionalidade de lei no controle difuso de inconstitucionalidade Sentença que declarou a inconstitucionalidade de parte da lei impugnada, no que se refere aos cargos não cuja descrição não os enquadra no rol de cargos de confiança Sentença que, ainda, afastou a condenação dos agentes por improbidade administrativa por falta de comprovação do elemento subjetivo de dolo Reforma parcial da r. sentença,, apenas para incluir no rol dos cargos de confiança, o cargo de superintendente da guarda municipal, para estabelecer a modulação dos efeitos da decisão, para condenar a divisão igualitárias das despesas processuais entre todas as partes, e para conceder os benefícios de gratuidade a um dos requeridos, isentando-o do recolhimento de preparo - Recurso do Ministério Público estadual improvido, e parcialmente provido os recursos da Municipalidade ré, e de Francisco Augusto Prado Telles Júnior. (TJSP; Apelação Cível 1001264-35.2017.8.26.0165; Relator (a): Antonio Carlos Malheiros; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Público; Foro de Dois Córregos - 1ª Vara; Data do Julgamento: 14/12/2020; Data de Registro: 18/12/2020).
ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE Inconstitucionalidade das Leis Municipais de números 3.515/15, 3.523/15 e 3.553/16, todas do Município de Cafelândia. Leis que, em síntese, constituem autorização legislativa (resultante de projeto elaborado pelo Executivo) para a realização de despesas, sendo estas o pagamento a médicos para a realização de procedimentos cirúrgicos diversos. Todas possuem a mesma redação, alterando, apenas, o beneficiário da quantia, o paciente e os procedimentos a serem realizados. Leis que carecem da generalidade e abstração necessárias às leis. Diante disso, sendo aplicáveis a um único cenário jurídico, tendo destinatários certos, necessário concluir que se trata de leis de efeitos concretos. Outrossim, as leis teriam seus efeitos já exauridos. CONHECIMENTO Arguição de Inconstitucionalidade em processo no qual a declaração de inconstitucionalidade constitui causa de pedir para bem da vida perseguido pelo Ministério Público. Possível, desse modo, o exame da matéria por este Tribunal, cabendo a este Órgão Especial a análise do incidente diante da reserva de plenário prevista pelo artigo 97 , da CRFB. No exercício da atividade jurisdicional, posto um litígio em juízo, o Poder Judiciário deverá solucioná-lo e para tanto, incidentalmente, poderá analisar a constitucionalidade ou não de lei ou de ato normativo, inclusive aqueles de efeitos concretos (controle difuso de constitucionalidade). (Rcl 18165 AgR-ED, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Segunda Turma, julgado em 21/08/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-200 DIVULG 04-09-2017 PUBLIC 05-09-2017) LESÃO AO PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE Eleição de três munícipes para recebimento de tratamento diferenciado pelo Poder Público. Posto que inexistentes razões objetivas e impessoais para a escolha, ocorreu, no caso concreto, lesão ao princípio da impessoalidade, previsto pelo artigo 111, da Constituição do Estado de São Paulo. Arguição julgada procedente.(TJSP; Incidente De Arguição de Inconstitucionalidade Cível 0020573-64.2020.8.26.0000; Relator (a): Alex Zilenovski; Órgão Julgador: Órgão Especial; Foro de Cafelândia - Vara Única; Data do Julgamento: 19/08/2020; Data de Registro: 21/08/2020)
Passo à análise do mérito.
Conforme se extrai dos autos, a Lei Municipal n.º 4.235/2021, proibiu o exercício da atividade de pulverização aérea de defensivos agrícolas no âmbito deste Município. A mesma norma ainda previu a aplicação de multa no valor de vinte mil UFESP´s para o caso de descumprimento, com aplicação em dobro no caso de reincidência.
Em que pese o Município ora requerido alegue sua legitimidade para legislar a respeito do tema, entendo que a razão está com a parte autora.
Com efeito, a atividade de pulverização e controle de pragas por meio da aviação agrícola, é espécie do gênero serviço aéreo, denominado como aeroagrícola nos moldes da Resolução n.º 659/2022, da ANAC e prestado nos termos do Regulamento Brasileiro da Aviação Civil - RBAC nº 137.
É verdade que até a superveniência da Lei n.º 14.368/2022, a atividade aeroagrícola era uma espécie de serviço aéreo público, na modalidade especializado (antiga redação do artigo 175, do C.B.A.).
Desde o início do século XX, sob os aspectos jurídico e econômico, a navegação aérea no Brasil sempre foi vista como um serviço público de titularidade da União. Enquanto tal e porque não explorada diretamente pelo Estado, sempre se delegou sua execução a particulares mediante concessão.
Ocorre, contudo, que a partir dos anos 1990 o setor de transporte aéreo começou a experimentar mudanças, especialmente sob o influxo das tendências liberalizantes e de desestatização que se espraiavam na discussão política nacional naquele momento histórico.
Enquanto marco inaugural da desregulação costuma ser citada a V Conferência Nacional de Aviação Civil (CONAC), datada de 1991, a qual fixou bases e premissas importantes para o processo de liberalização e desregulação no âmbito do transporte aéreo regular de passageiros e cargas. Esse processo de transformação se densificou ao longo da década de 90, atingindo seu ápice na primeira metade dos anos 2000.
No ano de 2005, por sua vez, foi instituída a Agência Reguladora do setor, a ANAC, cujo objetivo, na forma do artigo 2º, da Lei n.º 11.182/2005, é o de regular e fiscalizar as atividades de aviação civil e de infraestrutura aeronáutica e aeroportuária, nos termos das políticas estabelecidas pelos Poderes Executivo e Legislativo.
Porém, a despeito de toda evolução vivenciada no âmbito da atividade regulatória estatal no campo econômico das atividades aéreas, é certo que o arcabouço legislativo não se mostrava mais adequado e consentâneo com a realidade econômica e o dinamismo do mercado.
O Código Brasileiro de Aeronáutica, marco regulatório do Setor Aéreo no Brasil, datado do ano de 1986, é anterior a outras importantes balizas legislativas que com ele dialogam, como o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, o Código Civil, a Lei criadora da ANAC, e sobretudo, é anterior à própria nova ordem Constitucional inaugurada com a Constituição Federal de 1988.
Mesmo no âmbito infralegal muitas das normas técnicas de regulação e regulamentação ainda aplicáveis encontram-se inseridas em documentos fundados no poder regulamentar exercido pelo extinto Departamento de Aviação Civil (DAC), uma estrutura então pertencente às Forças Armadas.
Todo esse arcabouço normativo até então produzido pelos órgãos estatais no âmbito da aviação civil se encontra em constante modificação e está, pari passu, sendo atualizado e substituído pelos regulamentos expedidos pela Agência Nacional de Aviação Civil, atualmente a entidade a quem cabe regular e fiscalizar as atividades de aviação civil e de infraestrutura aeronáutica e aeroportuária no País.
No entanto, a despeito da evolução na política liberalizante e de desregulação do Setor Aéreo Brasileiro, o quadro normativo que se apresentava até a promulgação da Lei n.º 14.368/2022 (fruto da conversão da Medida Provisória n.º 1.089/2021 denominada de “Voo Simples”), era no sentido de que a exploração do serviço aeroagrícola era uma espécie de serviço aéreo público, na modalidade especializado. Assim dispunham principalmente os artigos 175 e 201, ambos do Código Brasileiro de Aeronáutica (C.B.A.).
Porém, em face de inúmeras incompatibilidades de ordem prática, jurídica e econômica, já não se podia mais sustentar que tais atividades de transporte aéreo eram essencialmente serviços públicos de titularidade da União, que os concedia ou autorizava (esta no caso dos serviços especiais).
Seguindo nessa quadra, o legislador, no ano de 2022, promoveu significativa alteração no Marco Regulatório da Aviação Civil Brasileira, e o fez para, dentre outras importantes prescrições, fixar que os serviços aéreos são uma atividade econômica de interesse público, não mais um serviço público. A mudança do texto pode parecer sutil numa primeira leitura, mas revela uma importante alteração de paradigma para o setor aéreo brasileiro, posto que altera o próprio regime de prestação das atividades, migrando do público para o privado, sujeito à regulação técnica e econômica.
Mais adiante, no texto do C.B.A., o novo Art. 193-A enuncia ser aberta a qualquer pessoa, natural ou jurídica, a exploração de serviços aéreos, observadas as disposições deste Código e as normas da autoridade de aviação civil.
Portanto, em que pese as modificações substanciais trazidas pela Lei n.º 14.368/2022, pode-se afirmar que a despeito da despublicização dos serviços aéreos, sua matriz normativa repousa no principal marco regulatório da aviação nacional, que é a Lei n.º 7.565/1986, nominado como Código Brasileiro de Aeronáutica.
A exploração de serviços aéreos, portanto, compreender as diversas modalidades enunciadas na Resolução n.º 659/2022, da ANAC, é matéria cuja competência constitucional legislativa é reservada com exclusividade à União, já que se trata de tema afeto ao Direito Aeronáutico. Eis a redação do artigo 22, incisos I e X, da Carta Magna:
“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;”
X - regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e aeroespacial;”
(...)
Logo se vê, portanto, que a competência legislativa para tratar dos temas de direito aeronáutico e do regime da navegação aérea fora cometida com exclusividade à União.
Quanto à competência legislativa para proteção do meio ambiente, é verdade que a Constituição Federal fixou ser ela concorrente entre os três entes: União, Estados e Municípios (artigo 23, inciso VI, da CF/88).
No entanto, no âmbito Municipal, referida alçada de produção de normas é supletiva e se prende à observância quanto à ocorrência de interesse local (artigo 30, incisos I e II, da Constituição Federal).
No caso concreto posto em debate, o Município editou a lei n.º 4.235, de 16 de julho de 2021. Seu artigo 1º assim dispõe:
“Art.1º Fica proibida a pulverização aérea por agrotóxicos no âmbito do Município de Santa Bárbara d´Oeste.”
Ocorre, contudo, que na forma posta, a legislação municipal afronta a Constituição Federal de 1988.
Resta evidente que o Município extrapolou sua competência legislativa ao normatizar a respeito de direito aeronáutico. Conforme se explicitou acima, a competência legislativa sobre tais matérias é exclusiva da União.
O Código Brasileiro de Aeronáutica, a Resolução n.º 659/2022, da ANAC e o RBAC n,º 137, da ANAC, por sua vez, permitem a prática da aviação agrícola para fins de pulverização e controle de pragas.
A União, por seu turno, estabeleceu as normas e linhas gerais a serem observadas por tal atividade específica, permitindo sua prática (como aliás determina a lei federal vigente). Nesse sentido foram editados os Decretos 917/1969; 86.765/1981, 4.074/2002. Há, ainda, no âmbito da agência regulatória, o Regulamento Brasileiro de Aviação Civil n.º 137, que estabelece a respeito da certificação e dos requisitos operacionais para operações de aviação agrícola.
De acordo com o art. 2º do Decreto-Lei 917/1969, que dispõe sobre o emprego da aviação agrícola no país, “cabe à iniciativa privada operar e desenvolver essas atividades”. Quanto à atividade de aspersão e pulverização de defensivos agrícolas, encontram-se previstas nos §§ 1º e 2º deste mesmo artigo, que têm a seguinte redação: “Art. 2º Através do Ministério da Agricultura, a Administração Federal objetivará conciliar a missão pioneira do poder público, em relação a pesquisas, treinamento de pessoal e demonstração de equipamentos e técnicas, com o princípio de que cabe à iniciativa privada operar e desenvolver essas atividades de Aviação Agrícola. '§ 1º Os equipamentos, que poderão ser objeto de demonstração pela Aviação Agrícola, são os destinados à aspersão e pulverização, conforme se especificar em regulamento. '§ 2º As atividades da Aviação Agrícola compreendem: 'a) emprego de defensivos;...”
O Decreto-Lei 86.765/1981, por sua vez, faz referência a mencionada previsão em seu art. 16, § 2º, ao dispor que os “... Equipamentos de aspersão e pulverização, de que trata o artigo 2º, parágrafo 1º, do Decreto-Lei nº 917/69, são aqueles destinados à aplicação de defensivos agrícolas, fertilizantes, semeadura e outras atividades que vierem a ser aconselhadas”.
A técnica de pulverização aérea de defensivos agrícolas não só é permitida e regulada por normas federais e estaduais, como é amplamente utilizada em todo país. E tanto é assim que aviões agrícolas são desenvolvidos e fabricados no Brasil, pela EMBRAER, desde a década de 70, como é caso da aeronave EMB-200 "Ipanema".
Como já aqui mencionado, não é vedado ao Município suplementar a legislação Federal e/ou Estadual, impondo maiores restrições a atividades potencialmente danosas ao meio ambiente, quando identificado o seu interesse peculiar. No entanto, o banimento da atividade como um todo representa claramente uma invasão da competência da União para legislar sobre normas ambientais de caráter geral que, frise-se, existem e não proíbem esta atividade, apenas a regulando.
Conforme se observa, então, a partir do mandamento constitucional, a legislação ordinária federal previu e autorizou a atividade desenvolvida pelas empresas representadas pelo ora autor. Assim o fez por intermédio não apenas de legislações ordinárias, mas também mediante decretos regulamentadores, além de outros atos normativos. Cuida-se de atividade densamente regulada.
O que se tem no caso, entretanto, é que o legislador municipal ultrapassou sua competência ao criar norma que taxativamente proíbe a atividade de pulverização aérea, contrariando expressamente os mandamentos constitucionais e legais aplicáveis à espécie. Repise-se: a sua competência concorrente no âmbito da proteção do meio ambiente se faz de modo supletivo à lei federal e estadual, não podendo simplesmente contrariar todo o ordenamento, denegando a prática da atividade na cidade.
Nem se cogite a hipótese de “interesse local” a supostamente legitimar a lei, posto que a utilização da aviação para fins de pulverização e controle de pragas não se faz especificamente nos limites desta cidade, mas abarca prática já há muito tempo consolidada nas lavouras de todo o Brasil (artigo 375, CPC). O interesse em regrar tais atividades é nitidamente de âmbito nacional.
Como se vê, portanto, a lei municipal padece mesmo dos vícios de inconstitucionalidade, seja por invasão de competência de outro ente federativo (artigos 22, I, X, 30, I e II e 23,VI, todos da CF/88), seja porque é possível aventar materialmente a violação de preceitos, princípios e normais constitucionais, sobretudo aqueles atinentes ao livre exercício de qualquer atividade ou profissão (artigo 5º, XIII,CF/88) e da livre concorrência (artigo 170, IV,CF/88).
Não bastasse a inconstitucionalidade incidental da lei, também não se pode deixar de consignar, a teor do que exige a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (artigos 5º e 21, do Decreto-Lei n.º 4.657/42) os efeitos sociais da aplicação da norma proibitiva municipal. Com efeito, a proibição completa e total da atividade aero agrícola é capaz de gerar importantes danos financeiros às empresas representadas pelo sindicado autor, na medida em que não poderão mais operar no Município, extirpando demasiadamente a sua renda, quiçá podendo leva-las à insolvência. Isso, sem considerar que a proibição vai além, gerando danos também na produtividade agrícola do Município, que de inopino viu alijada forma já bastante sedimentada de pulverização e controle das pragas das extensas áreas de lavoura. Evidente, assim, que o impacto social decorrente da perda dos empregos diretos e indiretos.
Registro, por fim, que não se desconhece a existência de debates em torno dos supostos danos à saúde que a pulverização, sobretudo por via aérea poderiam causar. Contudo, em vista de ser prática largamente utilizada em todo País, a controvérsia pressupõe amplo debate social por intermédio dos meios adequados de participação democrática na elaboração das normas, seja junto ao Congresso Nacional, Ministério da Agricultura, Vigilância Sanitária e Agência Nacional de Aviação. Quiçá pode-se discutir a relação de custo/benefício de referida atividade em âmbito judicial sob a forma de controle concentrado ou ainda mediante ação civil pública, sempre com ampla dilação probatória e atenção ao contraditório e à ampla defesa. O que não se pode admitir é pretensa solução jurídica que gere fratura nas competências legislativas constitucionalmente definidas no afã de solucionar o problema de modo desordenado em cada município da federação.
Ante o exposto, julgo procedente a ação movida pelo Sindicado Nacional das Empresas de Aviação Agrícola Sindag contra a Prefeitura Municipal de Santa Bárbara d´Oeste, e o faço para confirmar a liminar e afastar a proibição da atividade de aviação agrícola no Município de Santa Bárbara d´Oeste, reconhecendo a inconstitucionalidade de forma incidental e difusa da Lei Municipal nº. 4.235/2021, em especial o art. 1º. Face à sucumbência, condeno o requerido ao pagamento das custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios, estes ora fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa (art.85,§2º, do CPC).
Declaro extinto o processo com resolução do mérito (art.487,I,CPC).
P.R.I.C.
Santa Bárbara d'Oeste, 27 de outubro 2022.