Projeto do Novo Código Brasileiro de Aeronáutica
Por: Paulo Henrique Stahlberg Natal. 01/06/2020.
Atualmente o principal marco regulatório da aviação civil brasileira está consolidado na Lei Federal n. 7.565,de 1986, que instituiu o Código Brasileiro de Aeronáutica. Conforme se observa, a sua promulgação é anterior à própria Constituição Federal de 1988, ao Código de Defesa do Consumidor (1990), à Lei de Licitações (1993), à Lei de criação da Agência Nacional de Aviação Civil (2005) e ao atual Código Civil (2002). Trata-se de legislação que carece, portanto, de atualização e moldagem à nova ordem jurídico-constitucional, econômica e à realidade da aviação civil moderna.
Atendendo a estes anseios e necessidades e em vista de sua defasagem enquanto marco regulatório, houve a criação de uma comissão especial junto ao Senado Federal, para debater e apresentar um projeto de lei que substituísse o atual diploma. Nesse sentido, então, encontra-se em tramitação no Congresso Nacional um Projeto de Lei versando sobre o Novo Código Brasileiro de Aeronáutica. Trata-se do PLS n.º 258, de 2016, do Senado Federal.
O Projeto de novo Código é composto de 374 artigos, dividido em 12 Títulos: Título I – Introdução, Título II – Do Espaço Aéreo e seu uso para Fins Aeronáuticos, Título III – Da Regulação de Infraestrutura Aeronáutica e dos Serviços Aéreos, Título IV – Da Infraestrutura de Aviação Civil, Título V – Das Aeronaves, Título VI – Da Tripulação, Título VII – Dos Serviços Aéreos, Título VIII – Do Contrato de Transporte Aéreo, Título IX – Da Responsabilidade Civil, Título X – Das Sanções, Título XI – Dos Prazos Extintivos, Título XII – Disposições Finais e Transitórias.
A última movimentação do processo legislativo registrada até a presente data (01/06/2020) informa que o PLS258/2016 está pronto para deliberação em Plenário, desde 06/02/2020.
Enquanto os trabalhos congressuais prosseguem, apresentaremos aqui alguns artigos em destaque e pontos de interesse do novel diploma e, quando possível, fazendo as correspondências entre o atual CBAer (Lei n.º 7.565/1986) e o PLS 258/2016.
Atual Redação do Código de Aeronáutica
Art. 1° O Direito Aeronáutico é regulado pelos Tratados, Convenções e Atos Internacionais de que o Brasil seja parte, por este Código e pela legislação complementar.
§ 1° Os Tratados, Convenções e Atos Internacionais, celebrados por delegação do Poder Executivo e aprovados pelo Congresso Nacional, vigoram a partir da data neles prevista para esse efeito, após o depósito ou troca das respectivas ratificações, podendo, mediante cláusula expressa, autorizar a aplicação provisória de suas disposições pelas autoridades aeronáuticas, nos limites de suas atribuições, a partir da assinatura (artigos 14, 204 a 214).
§ 2° Este Código se aplica a nacionais e estrangeiros, em todo o Território Nacional, assim como, no exterior, até onde for admitida a sua extraterritorialidade.
§ 3° A legislação complementar é formada pela regulamentação prevista neste Código, pelas leis especiais, decretos e normas sobre matéria aeronáutica (artigo 12).
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Redação proposta no PLS 258/2016:
Para facilitar a leitura, fizemos os apontamentos logo abaixo de cada previsão legal. Neste artigo, merecem destaque maior os parágrafos 3º e 5º (em negrito).
Art. 1° O Direito Aeronáutico é regulado pelos tratados, convenções e atos internacionais firmados pela República Federativa do Brasil, por este Código e pela legislação complementar.
§1º Os tratados, convenções e atos internacionais, celebrados por delegação do Poder Executivo e aprovados pelo Congresso Nacional, vigoram a partir da data neles prevista para esse efeito, após o depósito ou troca das respectivas ratificações e publicação do decreto de promulgação no Diário Oficial da União.
Comentários: Houve nesse parágrafo apenas a adequação da lei ao preceitos constitucionais trazido pela Carta de 1988, relativos ao rito de incorporação dos tratados no ordenamento jurídico interno, destacando-se a necessidade de publicação do decreto de promulgação no Diário Oficial da União, requisito este que era alvo de alguma controvérsia doutrinária.
§ 2° Este Código se aplica a nacionais e estrangeiros, em todo o território nacional, assim como no exterior, até onde for admitida a sua extraterritorialidade.
Comentários: A territorialidade e a extraterritorialidade são instrumentos que servem para solucionar a aplicação da lei no espaço.
A rigor a lei brasileira aplica-se nos limites do respectivo território. Entretanto, situações existem em que há previsão normativa para sua aplicação fora do território nacional, criando-se, por ficção jurídico-legal, uma extensão do nosso território. A esta hipótese denomina-se extraterritorialidade da lei.
§ 3° É vedado invocar disposições do direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado em que a República Federativa do Brasil seja parte, exceto se o tratado violar manifestamente disposição constitucional sobre competência para concluir tratados.
Comentários: A regra constante deste parágrafo terceiro objetiva não apenas a segurança jurídica doméstica, mas principalmente no âmbito internacional, posto que o respeito aos tratados revela à sociedade internacional a confiabilidade do Estado Brasileiro no que tange à obediência das convenções em que figurou.
Outro ponto que merece destaque é que a leitura desse dispositivo deve ser feita de forma conjunta com o artigo 178, da Constituição Federal, ou seja, diz respeito apenas aos tratados que versem sobre a ordenação do transporte aéreo internacional.
A regra imposta, no caso, parece seguir o atual posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de que os tratados internacionais prevalecem sobre a lei interna em matéria de ordenação do transporte aéreo internacional.
Em que pese a leitura dos votos e manifestações dos eminentes Ministros daquela Suprema Corte revele ainda alguma hesitação na fundamentação para alcançar tal conclusão, fato é que a tese fixada acabou por conferir prevalência das normas internacionais em detrimento do direito interno quando se tratar de transporte aéreo internacional, e isto em virtude da previsão contida nas letras do artigo 178, da Constituição Federal.
Vale registrar que num primeiro momento restou firmado o entendimento no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que para os casos de responsabilização civil do transportador aéreo, sobretudo na hipótese de extravio/perda de bagagem, prevalecia a aplicação das regras de proteção e defesa do consumidor em detrimento dos tratados e convenções internacionais. Dentre estas regras, está a reparação integral do dano. Assim, o entendimento até então firmado era no sentido de que os valores indenizatórios pré-estabelecidos pelo Código Brasileiro de Aeronáutica e pelas Convenções de Varsóvia e Montreal não poderiam prevalecer em prejuízo do consumidor, devendo a reparação ser completa e integral.
Nessa toada, ainda que existente legislação especial interna ou tratados internacionais limitando os valores das indenizações, estes cediam frente ao princípio maior de proteção ao consumidor com assento constitucional (art. 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal de 1988).
Ocorre, contudo, que referido posicionamento do Superior Tribunal de Justiça acabou sendo parcialmente superado pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Recurso Extraordinário 636.331, dando origem ao Tema 210, daquela Suprema Corte.
No referido julgamento, restou consignado ser aplicável o limite indenizatório estabelecido na Convenção de Varsóvia/Montreal e demais acordos internacionais subscritos pelo Brasil, em relação às condenações por dano material decorrente de extravio de bagagem, em voos internacionais.
Entretanto, em que pese tenha se fixado referida tese admitindo a validade e prevalência da Convenção de Varsóvia (ou Montreal, a depender do caso concreto), a decisão não abrange a questão relativa ao dano moral, assim como também é aplicável apenas no transporte aéreo internacional.
Ao transporte aéreo doméstico, permanecem incidindo as regras de proteção e defesa do consumidor (Lei n.º 8.078/1990).
§ 4° A legislação complementar é formada pela regulamentação prevista neste Código, pelas leis especiais, regulamentos de execução e demais normas sobre matéria aeronáutica.
Comentários: A atividade de navegação aérea e todo suporte de infraestrutura respectiva, formam uma complexa reunião de atividades e serviços que interagem entre si para consecução da atividade fim (transporte aéreo). A aviação, aliás, é a segunda atividade mais regulamentada do planeta, ficando atrás apenas da atividade nuclear.
Devido seu dinamismo, seja em virtude das mudanças tecnológicas, seja em razão da influência de fatores externos diversos, tais como guerras, disputas diplomáticas entre países, variação cambial, catástrofes climáticas, atentados terroristas e mais recentemente, a própria declaração de Pandemia de uma doença (COVID-19), há necessidade de constante regulação da atividade para atender às circunstâncias do momento atual. Nesse contexto a lei ordinária (Código de Aeronáutica) fixa um marco regulatório inicial traçando matrizes primordiais e remete às demais legislações, inclusive infralegais, as regulamentações pormenorizadas, viabilizando pontuais alterações sem a necessidade de um processo legislativo mais cadenciado como das leis ordinárias e complementares.
§ 5° As normas previstas neste Código e nos tratados firmados pela República Federativa do Brasil constituem legislação especial aplicável aos serviços de transporte aéreo, prevalecendo sobre qualquer disposição contratual ou legal interna que as contrariem.
Comentários: Acredita-se que este parágrafo foi introduzido logo no artigo 1º do PLS 258/16, como tentativa de afastar a aplicabilidade das normas de proteção e defesa do consumidor ao transporte aéreo.
Duas situações distintas devem ser observadas neste preceito legal: o transporte aéreo doméstico de um lado, e o internacional de outro.
No âmbito do transporte internacional, restou fixada a tese n.º 210, no âmbito do Supremo Tribunal Federal[1], a qual conferiu a prevalência das tratados e convenções internacionais em detrimento do direito interno quando se tratar de transporte aéreo internacional, o que decorre da previsão contida no artigo 178, da Constituição Federal. Nesse ponto fazemos remissão ao que já foi objeto de análise no §3º, retro.
Quanto ao transporte aéreo doméstico (nacional), contudo, a previsão parece inócua. A intenção do legislador não será alcançada por duas razões.
Em primeiro lugar, porque não cabe ao legislador cunhar a própria lei como sendo especial. Especialidade é critério de solução de antinomias aparentes, ao lado dos critérios cronológico e hierárquico. Cuida-se de recurso próprio da ciência do direito; ao hermeneuta cabe analisar a legislação positiva, em visão sistemática, e a seguir afastar os eventuais conflitos existentes entre os diversos textos legais. Portanto, quem diz se uma lei é especial em relação a outra não é ela própria, mas o seu aplicador. De efeito, não se cogita que o fato do legislador apor a marca da especialidade em um texto legal tenha o condão de alterar-lhe essa natureza, se a sua análise indicar em sentido diverso. Ao intérprete caberá corrigir esta dissonância mediante interpretação sistemática.
É de se cogitar, inclusive, eventual inconstitucionalidade do texto legal, posto que viola o princípio da separação de poderes (artigo 2º, CF/88) e da livre convicção fundamentada (artigo 93, inciso IX, da CF/88). O primeiro, porque o legislador teria retirado do Judiciário a atividade que lhe é inerente e precípua: a de interpretar o conjunto normativo; o segundo, como corolário do primeiro, porque engessaria a possibilidade de fundamentar-se em sentido diverso em sua atividade interpretativa.
Em segundo lugar, porque eventual especialidade da lei não afasta a aplicabilidade das normas de proteção ao consumidor, os diplomas devem conviver (diálogo das fontes).
Enquanto prestadoras de serviços públicos, estão as transportadoras aéreas submetidas ao regime do Código do Consumidor (arts.3º,§2º e 6º, inciso X e 22), que estabelece a responsabilidade integral. Ademais, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor é uma estrutura normativa de sobredireito, com projeção horizontal, aplicando-se à situações que envolverem a relação de consumo. A esse respeito, veja-se a doutrina de Sérgio Cavalieri Filho, para quem o CDC revela-se como uma “sobre-estrutura jurídica multidisciplinar, aplicável em toda área do direito onde ocorrer uma relação de consumo” (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998).
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor vem implantar o mandamento constitucional da Política Nacional das Relações de Consumo (artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal), de modo que a indenização integral ao consumidor encontra assento constitucional. Logo, a legislação ordinária deve ser lida com os contornos constitucionais da matéria, devendo a ela conformar-se.
Pelas razões acima expostas entendemos que a referida disposição contida no artigo §5º, do artigo 1º, não afastará a leitura constitucional da legislação, prevalecendo as normas protetivas do consumidor quando esta relação estiver presente.
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[1] RE 636.331, STF, com repercussão geral: TEMA 210, tese fixada: Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor.
Atual Redação do Código de Aeronáutica
Art. 2° Para os efeitos deste Código consideram-se autoridades aeronáuticas competentes as do Ministério da Aeronáutica, conforme as atribuições definidas nos respectivos regulamentos.
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Redação proposta no PLS 258/2016:
Art.2º Ressalvadas as atribuições previstas neste Código e na legislação complementar, compete:
I- à Autoridade de Aviação Civil: regular e fiscalizar a aviação civil, a infraestrutura componente dos sistemas previstos nos incisos I ,IlI,IV VI, VII, VIII, e IX do art. 38 deste código, incluindo as emissões de poluentes atmosféricos e de ruído aeronáutico;
II- à Autoridade Aeronáutica: regular e fiscalizar a navegação aérea, as atividades de controle do tráfego aéreo e as respectivas infraestruturas, incluindo os planos de zona de proteção de aeródromos e as atividades de auxílios à navegação aérea;
III- à autoridade de investigação SIPAER: investigar e expedir recomendações de segurança para a prevenção de ocorrências aeronáuticas.
Anotações ao artigo 2° do PLS 258/2016.
Enquanto o atual Código de Aeronáutica em vigor considera Autoridades Aeronáuticas competentes os órgãos do Ministério de Aeronáutica definidos em seus regulamentos, o PLS 258/2016 atualiza as atribuições relacionando diretamente em lei quem são as autoridades que interagem na regulação da atividade: autoridade de aviação civil, autoridade aeronáutica, autoridade de investigação SIPAER. A preocupação em atualizar as atribuições das diferentes autoridades ocorre em todos os demais títulos do PLS 258.
A Autoridade Aeronáutica, na verdade, reúne um conjunto de órgãos estruturados junto ao Ministério da Defesa, havendo entre eles níveis hierárquicos; são eles: 1) Ministério da Defesa; 2) Comando da Aeronáutica - COMAER; 3) Departamento de Controle do Espaço Aéreo – DECEA[1]; 4) Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos – CENIPA; 5) Comissão Nacional de Segurança da Aviação Civil – CONSAC.
Ao lado das autoridades aeronáuticas, há também a figura da Autoridade de Aviação Civil, que inexistia por ocasião do CBAer em vigor, datado de 1986.
Anteriormente ao surgimento da ANAC no ano de 2005, o Departamento de Aviação Civil – DAC era o principal órgão do Sistema de Aviação Civil, a quem competia apoiar, estudar, planejar as atividades no setor de aviação civil no Brasil. Esse Departamento era responsável por emissão de licenças, aviação desportiva, registro e vistoria de aeronaves civis, serviços aéreos e investigação e prevenção de acidentes aeronáuticos em aeronaves civis. Cuida-se, entretanto, de uma Departamento ligado às Forças Armadas, mais especificamente a Aeronáutica.
Foi apenas no ano 2005, entretanto, que referido departamento foi extinto a partir da vigência da lei federal n.º 11.182, de 27 de setembro de 2005. Este marco legislativo criou a Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC, entidade integrante da Administração Pública Federal indireta, submetida a regime autárquico especial, vinculada ao Ministério da Defesa, com prazo de duração indeterminado.
Compete à União, por intermédio da ANAC e nos termos das políticas estabelecidas pelos Poderes Executivo e Legislativo, regular e fiscalizar as atividades de aviação civil e de infraestrutura aeronáutica e aeroportuária. Esta competência descentralizada para a figura da Agência decorre do disposto artigo 21, inciso XII, alínea “c”, da Constituição Federal.
A grande novidade a partir de meados do ano 2000, portanto, foi a desmilitarização das atividades de regulação e fiscalização da aviação civil (aqui incluídas a infraestrutura aeroportuária e aeronáutica), mediante a criação de uma agência reguladora, com autonomia administrativa, financeira e ausência de subordinação hierárquica, cujos dirigentes possuem mandato fixo. A ANAC atua, ainda, com objetivo de promover a segurança do setor aeronáutico, a melhoria da qualidade dos serviços e deve agir de modo a estimular a concorrência.
Desse modo, vemos que o artigo 2º, incisos I e II, do PLS 258/2016, promove a atualização e adequação do Código ao referir-se a “Autoridade de Aviação Civil”, papel hoje desempenhando de forma estanque da Autoridade Aeronáutica, cada qual agindo em seu âmbito de atribuições.
Além das Autoridades Aeronáuticas e da Autoridade de Aviação Civil acima retratadas, o PLS 258/2016 arrola também a Autoridade SIPAER, e a define como sendo aquela a quem compete investigar e expedir recomendações de segurança para a prevenção de ocorrências aeronáuticas. Mais adiante, no artigo 114, do PLS 258/16, restou consignado caber ao Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (SIPAER) planejar, orientar, coordenar, controlar e executar as atividades de investigação e prevenção de ocorrências aeronáuticas envolvendo aeronaves civis e militares. Tamanha é a importância da prevenção e da investigação de acidentes e incidentes aeronáuticos, que o Projeto de Novo Código arrola de forma destacada a Autoridade SIPAER, para que fique clara sua atribuição e autonomia no desempenho dessa atividade de primordial seriedade para a segurança da aviação civil.
Destacamos que o CENIPA (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) é o órgão central do Sipaer [2], tendo por missão promover a prevenção de acidentes aeronáuticos, preservando os recursos humanos e materiais, visando ao progresso da aviação brasileira.
Em conclusão, cremos que o artigo 2º, do PLS258/16, procurou distinguir e delimitar as atribuições de cada uma das Autoridades que figuram e interagem no âmbito da aviação civil, de modo a evitar a sobreposição de competências, o que geraria conflitos internos e insegurança jurídica.
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[1] O Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA) é a organização responsável pelo controle do espaço aéreo brasileiro, provedora dos serviços de navegação aérea que viabilizam os voos e a ordenação dos fluxos de tráfego aéreo no País. Nos termos do art. 19, do Decreto n.º 6.834, de 30 de abril de 2009, com redação dada pelo Decreto n.º 7.245, de 2010, ao Departamento de Controle do Espaço Aéreo compete: I - planejar, gerenciar e controlar as atividades relacionadas com o controle do espaço aéreo, com a proteção ao voo, com o serviço de busca e salvamento e com as telecomunicações do Comando da Aeronáutica; e , II - apoiar a Junta de Julgamento da Aeronáutica em suas funções.
E o § 1o , do mesmo Decreto, aponta que o Departamento de Controle do Espaço Aéreo é órgão central do Sistema de Controle do Espaço Aéreo Brasileiro e do Sistema de Proteção ao Vôo.
[2] O Decreto Federal n.º9.540, de 25 de outubro de 2018, dispõe sobre o Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (SIPAER).
Atual Redação do Código de Aeronáutica:
Art. 171. As decisões tomadas pelo Comandante na forma dos artigos 167, 168, 169 e 215, parágrafo único, inclusive em caso de alijamento (artigo 16, § 3°), serão registradas no Diário de Bordo e, concluída a viagem, imediatamente comunicadas à autoridade aeronáutica.
Parágrafo único. No caso de estar a carga sujeita a controle aduaneiro, será o alijamento comunicado à autoridade fazendária mais próxima.
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Redação proposta no PLS 258/2016:
Art. 227. As decisões tomadas pelo Comandante inclusive em caso de lançamento ou alijamento de coisas de bordo serão registradas e comunicadas em conformidade com os regulamentos da Autoridade de Aviação Civil.
§1º No caso de estar a carga sujeita a controle aduaneiro, será o alijamento comunicado à autoridade fazendária mais próxima.
§2º O piloto em comando e o explorador ou operador da aeronave não poderão ser responsabilizados por eventual dano ambiental em razão do alijamento de carga ou combustível.
Comentário: Aqui chamamos a atenção para a previsão acrescida neste dispositivo legal, que nos parece inconstitucional.
Buscou o PLS 258/16, criar uma hipótese de isenção legal de responsabilidade civil ambiental. No entanto, ela não prevalece. Isto porque, em que pese pretenda excluir do operador da aeronave a responsabilidade pelo dano ambiental eventualmente decorrente da operação de alijamento de combustível, o dever reparatório, no caso, decorre expressa e diretamente da Constituição Federal, cuja previsão do artigo 225,§3º, é clara: "§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados".
Nesse passo, portanto, a hipótese de isenção legal não se adequa à norma constitucional, pelo que não deve prevalecer. Outrossim, entendemos também que o dever de reparação integral aos eventuais danos ao meio ambiente decorre do disposto no artigo 14,§1º, da lei n.º 6.938/1981, a qual concretiza o mandamento constitucional relativo à Política Nacional do Meio Ambiente, não vindo a ser derrogada pela previsão contida no PLS 258/16.
O Superior Tribunal de Justiça, a propósito, decidiu em sede de recurso repetitivo julgado pelo rito do artigo 543-C, do Código de Processo Civil de 1973, que a responsabilidade civil ambiental é objetiva e solidária e integral, sendo descabida a alegação de excludente de responsabilidade. Nesse sentido:
RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. DANOS DECORRENTES DO ROMPIMENTO DE BARRAGEM. ACIDENTE AMBIENTAL OCORRIDO, EM JANEIRO DE 2007, NOS MUNICÍPIOS DE MIRAÍ E MURIAÉ, ESTADO DE MINAS GERAIS.TEORIA DO RISCO INTEGRAL. NEXO DE CAUSALIDADE.
1. Para fins do art. 543-C do Código de Processo Civil: a) a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar; b) em decorrência do acidente, a empresa deve recompor os danos materiais e morais causados e c) na fixação da indenização por danos morais, recomendável que o arbitramento seja feito caso a caso e com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico do autor, e, ainda, ao porte da empresa, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de modo que, de um lado, não haja enriquecimento sem causa de quem recebe a indenização e, de outro, haja efetiva compensação pelos danos morais experimentados por aquele que fora lesado.
2. No caso concreto, recurso especial a que se nega provimento.
(REsp 1374284/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/08/2014, DJe 05/09/2014).
Atual Redação do Código de Aeronáutica (Lei n.º 7.565/1986):
Art. 11. O Brasil exerce completa e exclusiva soberania sobre o espaço aéreo acima de seu território e mar territorial.
Redação proposta no PLS 258/2016:
Art. 12. A República Federativa do Brasil exerce completa e exclusiva soberania sobre o espaço aéreo acima de seu território e mar territorial, bem como jurisdição sobre o espaço aéreo acima da zona econômica exclusiva.
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Anotações.
Na vigência do Código Brasileiro de Aeronáutica de 1986, inexistia a convenção de Montego Bay, assim como a lei n.º 8.617/1993, é posterior à sua vigência, de modo que houve atualização e adaptação do presente artigo às normas definidoras das áreas marítimas sobre as quais o País pode exercer sua soberania e jurisdição.
Na redação do revogado Decreto-Lei n.º 1.098/1970, o mar territorial do Brasil abrangia uma faixa de 200 (duzentas) milhas marítimas de largura, medidas a partir da linha do baixa-mar do litoral continental e insular brasileiro adotada como referência nas cartas náuticas brasileira. E conforme traçava o artigo 2º do Referido Decreto, a soberania do Brasil se estendia no espaço aéreo acima do mar territorial, bem como ao leito e sub-solo daquele mar.
O presente artigo 12 tem por finalidade estabelecer os limites espaciais da soberania brasileira quanto ao espaço aéreo. Nesse sentido, inicia-se pelo espaço aéreo acima de seu território.
Para tanto, cumpre verificar que o território corresponde a um espaço físico, terrestre, determinado e delimitado por fronteiras, a partir de uma relação de poder, dentro do qual o Estado exerce sua soberania, ou seja, onde o seu ordenamento jurídico tem eficácia e validade.
O espaço aéreo, por sua vez, corresponderia à projeção vertical, tridimensional da delimitação do território.
Ocorre que, conforme reza o normativo, o espaço aéreo sob jugo da exclusiva e completa soberania do Brasil não se circunscreve apenas àquele projetado a partir do território delimitado pelas fronteiras, indo além. Nesse sentido, portanto, abrangerá: o mar territorial e a zona econômica exclusiva. Ambas as figuras encontram definição na lei n.º 8.617/1993, editada em virtude da adesão do Brasil como Estado-Parte da Convenção de Montego Bay (foi revogado o Decreto-Lei n. 1.098/70, que dispunha sobre o Mar Territorial de 200 milhas marítimas).
O mar territorial brasileiro compreende uma faixa de doze milhas marítima de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular, tal como indicada nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente no Brasil (artigo 1º, Lei Federal n.º 8.617/1993). A soberania do Brasil estende-se ao mar territorial, ao espaço aéreo sobrejacente, bem como ao seu leito e subsolo. Nesse sentido o artigo 2º da referida lei.
Importante registrar que de acordo com a Constituição Federal de 1988, o mar territorial é considerado bem da União (art. 20, inciso VI).
Já a zona contígua brasileira, compreende uma faixa que se estende das doze às vinte e quatro milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial. Trata-se de uma faixa destinada às medidas de fiscalização necessárias para evitar as infrações às leis e aos regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração ou sanitários, nos seus territórios, ou no seu mar territorial, bem como para reprimir as infrações às leis e aos regulamentos, no seu território ou no seu mar territorial. (artigos 4º e 5º, da lei n.º 8.617/1993).
Finalmente, chegamos à delimitação da zona econômica exclusiva. Segundo o artigo 6º, da lei n.º 8.617/1993, ela compreende uma faixa que se estende das doze às duzentas milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial.
Sobre esta extensa faixa, o Brasil tem direitos de soberania para fins de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos ou não-vivos, das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu subsolo, e no que se refere a outras atividades com vistas à exploração e ao aproveitamento da zona para fins econômicos. De outro lado, no exercício de sua jurisdição, tem o direito exclusivo de regulamentar a investigação científica marinha, a proteção e preservação do meio marítimo, bem como a construção, operação e uso de todos os tipos de ilhas artificiais, instalações e estruturas.
Anote-se ser reconhecido a todos os Estados o gozo, na zona econômica exclusiva, as liberdades de navegação e sobrevoo, bem como de outros usos do mar internacionalmente lícitos, relacionados com as referidas liberdades, tais como os ligados à operação de navios e aeronaves (artigo 10 da lei n.º 8.617/1993).
Lembramos, por fim, que a Convenção de Chicago, de 1944, incorporada ao ordenamento nacional por intermédio do Decreto n.º 21.713, de 27 de agosto de 1946, traz previsão em seu artigo 2º, para fins de sua aplicabilidade, no sentido de que se considera como território de um Estado, a extensão terrestre e as águas territoriais adjacentes, sob a soberania, jurisdição, proteção ou mandato do citado Estado.
Diante desse quadro, temos que a soberania completa e exclusiva abrange o espaço aéreo sobre o território delimitado por suas respectivas fronteiras terrestres e o mar territorial, ao passo em que, sobre a zona econômica exclusiva, não se fala em extensão do território propriamente, mas exerce o País sua jurisdição, de modo que referida faixa faz parte, por exemplo, do controle do espaço aéreo brasileiro.
Autor: Paulo Henrique Stahlberg Natal
Data:02/10/2020.
Autor: Paulo Henrique Stahlberg Natal
Data: 26/02/2021.
Redação do atual Código Brasileiro de Aeronáutica em vigor (Lei n.º 7.565/86):
“Sistema de Formação e Adestramento de Pessoal
SEÇÃO I
Dos Aeroclubes
Art. 97. Aeroclube é toda sociedade civil com patrimônio e administração próprios, com serviços locais e regionais, cujos objetivos principais são o ensino e a prática da aviação civil, de turismo e desportiva em todas as suas modalidades, podendo cumprir missões de emergência ou de notório interesse da coletividade.
§ 1º Os serviços aéreos prestados por aeroclubes abrangem as atividades de:
I - ensino e adestramento de pessoal de vôo;
II - ensino e adestramento de pessoal da infra-estrutura aeronáutica;
III - recreio e desportos.
§ 2º Os aeroclubes e as demais entidades afins, uma vez autorizadas a funcionar, são considerados como de utilidade pública.
SEÇÃO II
Da Formação e Adestramento de Pessoal de Aviação Civil
Art. 98. Os aeroclubes, escolas ou cursos de aviação ou de atividade a ela vinculada (artigo 15, §§ 1° e 2°) somente poderão funcionar com autorização prévia de autoridade aeronáutica.
§ 1º As entidades de que trata este artigo, após serem autorizadas a funcionar, são consideradas de utilidade pública.
§ 2º A formação e o adestramento de pessoal das Forças Armadas serão estabelecidos em legislação especial.
Art. 99. As entidades referidas no artigo anterior só poderão funcionar com a prévia autorização do Ministério da Aeronáutica.
Parágrafo único. O Poder Executivo baixará regulamento fixando os requisitos e as condições para a autorização e o funcionamento dessas entidades, assim como para o registro dos respectivos professores, aprovação de cursos, expedição e validade dos certificados de conclusão dos cursos e questões afins.
Da Formação e Adestramento de Pessoal Destinado à Infra-Estrutura Aeronáutica
Art. 100. Os programas de desenvolvimento de ensino e adestramento de pessoal civil vinculado à infra-estrutura aeronáutica compreendem a formação, aperfeiçoamento e especialização de técnicos para todos os elementos indispensáveis, imediata ou mediatamente, à navegação aérea, inclusive à fabricação, revisão e manutenção de produtos aeronáuticos ou relativos à proteção ao (omissão do Diário Oficial).
Parágrafo único. Cabe à autoridade aeronáutica expedir licença ou certificado de controladores de tráfego aéreo e de outros profissionais dos diversos setores de atividades vinculadas à navegação aérea e à infra-estrutura aeronáutica.”
Redação proposta pelo PLS 258/2016 – Novo Código Brasileiro de Aeronáutica:
“Art. 140. O sistema de formação e treinamento de pessoal é constituído pelas instituições destinadas a formar, treinar, especializar e aperfeiçoar os profissionais da aviação civil, nele incluindo-se, entre outras, as escolas de aviação civil, aeroclubes, escolas técnicas e instituições de ensino superior.
§ 1º O exercício das atividades econômicas previstas neste artigo poderá depender de prévio licenciamento da Autoridade de Aviação Civil.
§ 2º A Autoridade de Aviação Civil poderá estabelecer requisitos mínimos para a realização de cursos e a expedição de diplomas de conclusão.
§ 3º O adolescente terá a oportunidade de formação aeronáutica através da obtenção de licença de piloto de planador a partir dos dezesseis anos de idade, com instrução em solo a partir dos catorze anos completos, desempenhando atividades em caráter não profissional.
§ 4º Uma licença de aluno piloto pode ser concedida a requerentes com dezesseis anos completos, desde que este apresente um termo de compromisso e responsabilidade assinado pelo responsável, com firma reconhecida em cartório, e onde esteja expresso neste termo que o responsável autoriza o aluno piloto a iniciar o treinamento de voo e se responsabiliza pelos atos do aluno piloto.
§ 5º O candidato a licença de piloto deverá ter completado dezoito anos, ressalvado o disposto nos §§ 3º e 4º.
Art. 141 Aeroclube é toda pessoa jurídica com patrimônio e administração próprios, com serviços locais e regionais, cujos objetivos principais são a prática da aviação civil, de turismo e desportiva em todas as suas modalidades, podendo cumprir missões de emergência ou de notório interesse da coletividade.
Parágrafo único. Aeroclubes poderão ser autorizados a funcionar como escolas de aviação desde que autorizado pela autoridade de aviação civil.”
Comentários e Anotações
A preocupação com o desenvolvimento e formação de pessoal para atendimento das necessidades de operação aeronáutica vem revelada, desde logo, pelo atual e vigente Código Brasileiro de Aeronáutica de 1986. Em seu artigo 25, dispõe que a infraestrutura aeronáutica compreende, dentre outros, o sistema de formação e adestramento de pessoal destinado à navegação aérea e à infraestrutura aeronáutica, cuja disciplina vem tratada em capítulo específico (Capítulo VIII, artigos 97 a 100).
Na mesma linha, segue o artigo 38, do PLS 258/2016, ao dispor que a formação e treinamento de pessoal constitui um sistema, integrado num contexto mais amplo da atividade aeronáutica, denominado infraestrutura aeronáutica.
Os objetivos primordiais dos sistemas componentes da infraestrutura aeronáutica são: a promoção da segurança, da regularidade e da eficiência.
A propósito, insta registrar que o parágrafo único do artigo 38, traz a definição do que vem a ser um sistema; e assim o faz:
(...)
Parágrafo único. Sistema é o conjunto de órgãos e elementos relacionados entre si por finalidade específica, ou por interesse de supervisão, coordenação, controle, fiscalização e orientação técnica e normativa, não implicando em subordinação hierárquica.
A leitura comparativa dos dispositivos do vigente C.B.A. de 1986 e do PLS 258/16, nos revela uma mudança de paradigma na formação humana aeronáutica face à realidade consolidada ao longo dos anos.
O C.B.A. de 1986 tem como elemento central na formação e treinamento de pessoal da aviação civil, a figura dos aeroclubes. Estas entidades remontam ao início da segunda década do século XX no Brasil, tendo como marco inaugural o denominado “Aeroclube do Brasil”, no Rio de Janeiro, em 1911 (Artigo 5º,§2º, do Decreto-Lei n.º 205/1967)[1].
Tem-se a notícia histórica de que estes clubes de voo se alastraram pelo País a partir da década de 1930, sob o governo de Getúlio Vargas e principalmente no período da 2ª Grande Guerra e no Pós-Guerra, quando havia escassez de pilotos brasileiros. Houve então uma “Campanha Nacional de Aviação”, cujo lema era “Dêem asas ao Brasil”, idealizada e liderada por Assis Chateaubriand, que incentivava a doação de dinheiro, aeronaves outros materiais para os aeroclubes.
Nessa época mais longeva, aviadores, entusiastas e apaixonados por aviação em geral, reuniam-se, mediante constituição de associações (aeroclubes), para desenvolver a prática do ensino aeronáutico e do voo desportivo.
No entanto, o decorrer dos anos que se seguiram ao pós-guerra, trouxe importantes mudanças no cenário da aviação mundial, seja sob o ponto de vista regulamentar, com a assinatura em 1944 da Convenção de Chicago para Unificação de Certas Regras da Aviação Civil, a seguir com a instalação da ICAO em 1947, seja também em razão do avanço tecnológico experimentado mediante a introdução da era dos jatos ao final da década de 50[2].
A partir dos primeiros passos para unificação internacional nas regras de navegação aérea, bem assim diante do excedente de aeronaves no período posterior à segunda grande guerra, o desenvolvimento da aviação comercial experimentou sensível aumento. Consequentemente, a formação de pilotos foi também paulatinamente evoluindo, deixando de ter apenas o caráter daqueles grupos de entusiastas e intrépidos aviadores que se reuniam em aeroclubes, para tomar um molde mais profissionalizante.
Seguiu-se após a era do jato, a era da automatização das aeronaves, além do ingresso dos computadores e substituição dos mostradores analógicos por displays e telas digitais, de modo que passou a exigir dos profissionais maior rigor técnico na operação.
O avanço nas normatizações de segurança operacional também contribuiu significativamente para que o treinamento de pessoal ganhasse ares mais técnicos, rígidos, eficientes, seguros e profissionais. A própria necessidade de altos investimentos em equipamentos (aeronaves) e materiais (simuladores, sede física, colaboradores treinados) tornou-se um obstáculo para que aquelas associações sem fins lucrativos conseguissem permanecer ativas num mercado em que começou haver concorrência de centros de treinamento densamente especializados em formação de pessoal já preparados para o ingresso no mercado de trabalho; este, por seu turno, já passava a exigir habilidades próprias e desejáveis para operação dos modernos equipamentos das linhas regulares e dos taxi-aéreos.
Hoje, o cenário que vemos é o de que poucos aeroclubes conseguiram sobreviver, já que a falta de subsídios governamentais e ausência de apoio da sociedade civil, aliado à concorrência das escolas mais profissionalizantes, levaram à derrocada de tais entidades. Os aeroclubes ainda em atuação encontraram fórmulas de regionalização, boa administração, criatividade gerencial e de investimentos, tudo de maneira a viabilizar economicamente sua operação.
Incontroverso, porém, a despeito do relevante papel historicamente desempenhado pelos aeroclubes, que hodiernamente deixaram de ser o ponto central, fundamental na formação e treinamento de pessoal. E o projeto de novo código de aeronáutico segue atento a tal realidade, de maneira, então, a alterar este eixo, trazendo previsão de que o sistema de formação e treinamento de pessoal é constituído pelas instituições destinadas a formar, treinar, especializar e aperfeiçoar os profissionais da aviação civil, nele incluindo-se, entre outras, as escolas de aviação civil, aeroclubes, escolas técnicas e instituições de ensino superior.
O próprio parágrafo primeiro do artigo 140, do PLS 258/16, classifica o exercício das atividades de ensino, treinamento e instrução enquanto econômicas, demonstrando, uma vez mais, o viés mercadológico e profissionalizante deste ramo específico.
Nota-se, inclusive, ter havido a introdução de escolas técnicas e instituições de ensino superior, já que hoje estão também se tornando uma realidade, porquanto preparam o jovem para habilita-lo a lidar não apenas com a condução da aeronave, mas também com todas as situações e circunstâncias que hoje envolvem um voo; assim também no que diz respeito ao ensino superior (ciências aeronáuticas a exemplo), onde se busca um preparo ainda maior do aspirante aeronauta, sobretudo diante dos atuais e complexos sistemas tecnológicos das aeronaves, do manejo de recursos humanos, seja de cabine, seja no âmbito externo e que antecedem o voo. Enfim, o grau de especialização e conhecimentos científicos, à vista do avanço tecnológico e do aumento do tráfego aéreo, demandam tais formações. Por isso foram devidamente contempladas no Projeto de Lei.
A mudança de paradigma, como se disse alhures, se faz tão presente no PLS 258/16, queo artigo 141do PLS enumera enquanto objetivos principais dos aeroclubes, a prática da aviação civil, de turismo e desportiva em todas as suas modalidades, podendo cumprir missões de emergência ou de notório interesse da coletividade. Apenas secundariamente, no parágrafo único, é que consta a possibilidade de serem autorizados a funcionar como escolas de aviação, sempre mediante autorização da Autoridade de Aviação Civil, no caso, a ANAC.
Também o PLS 258/16, excluiu a enunciação de que os aeroclubes sejam considerados como de utilidade pública federal. A propósito, nesse passo, a supressão dessa previsão está em conformidade com a lei n.º 13.019/14, que por sua vez extinguiu o título de utilidade pública federal (UPF).
Ainda seguindo pela análise do artigo 140, seu parágrafo segundo aponta que caberá à Autoridade de Aviação Civil o estabelecimento de requisitos mínimos para a realização de cursos e a expedição de diplomas de conclusão. A referida autoridade, no caso, é a Agência Reguladora brasileira específica, ou seja, a ANAC. Nesse sentido funda-se tal competência no disposto no artigo 8º, incisos X, XXX e XXXII, da Lei n.º 11.182/2005.
Prosseguindo, ainda no artigo 140, os parágrafos terceiro e quarto indicam a oportunidade de formação aeronáutica do jovem adolescente, a partir de 14 anos para os casos de instrução em solo para voo de planadores, 16 anos para licença de piloto de planador e 18 anos para licença de piloto de aeronaves. Também aos 16 anos, é possível a obtenção da transitória situação de licença de piloto-aluno de aeronaves, condicionada, entretanto, à existência de termo de responsabilidade firmado pelos responsáveis legais do menor.
A importância de cooptação de adolescentes na formação aeronáutica revela a preocupação com a necessidade de permanente desenvolvimento de pessoal, de modo que a permissão para iniciarem na vida aeronáutica desde cedo, na adolescência, desponta maiores possibilidades de êxito devido às próprias condições físicas e psicológicas daquela fase da vida. Normalmente nestas idades desenvolvem-se os desejos e os primeiros ideais profissionais, daí a importância de fixarem-se tais marcos etários na legislação. Desse modo, torna-se possível, também a criação de uma cultura de aviação, cultivando em todos os brasileiros um sentimento de atenção e identificação com o meio aeronáutico.
LEGISLAÇÃO CORRELATA:
Anexo 1 à Convenção sobre Aviação Civil Internacional
RBAC nº 141 (ANAC)
Resolução n.º 377/2016, ANAC
IS 141-005 - Guia para implementação e manutenção do SGSO em Centros de Instrução de Aviação Civil certificados conforme o RBAC nº 141.
IS 141-006 - Guia para implementação e manutenção do sistema de garantia da qualidade em CIAC.
Autor: Paulo Henrique Stahlberg Natal. Data: 26/02/2021.
[1] § 2º O Aeroclube do Brasil, fundado em 14 de outubro de 1911 e primeira entidade da aviação brasileira com existência legal, por seu primeirismo e pela implantação da mentalidade aeronáutica a que deu curso, é considerado integrante das tradições nacionais na área aeronáutica.
[2] Representada por aeronaves lendárias, tais como, Boeing 707, Douglas DC-8 , Convair CV 880 e Havilland Comet.