Autor: Paulo Henrique Stahlberg Natal
Data: 26/02/2021.
Redação do atual Código Brasileiro de Aeronáutica em vigor (Lei n.º 7.565/86):
“Sistema de Formação e Adestramento de Pessoal
SEÇÃO I
Dos Aeroclubes
Art. 97. Aeroclube é toda sociedade civil com patrimônio e administração próprios, com serviços locais e regionais, cujos objetivos principais são o ensino e a prática da aviação civil, de turismo e desportiva em todas as suas modalidades, podendo cumprir missões de emergência ou de notório interesse da coletividade.
§ 1º Os serviços aéreos prestados por aeroclubes abrangem as atividades de:
I - ensino e adestramento de pessoal de vôo;
II - ensino e adestramento de pessoal da infra-estrutura aeronáutica;
III - recreio e desportos.
§ 2º Os aeroclubes e as demais entidades afins, uma vez autorizadas a funcionar, são considerados como de utilidade pública.
SEÇÃO II
Da Formação e Adestramento de Pessoal de Aviação Civil
Art. 98. Os aeroclubes, escolas ou cursos de aviação ou de atividade a ela vinculada (artigo 15, §§ 1° e 2°) somente poderão funcionar com autorização prévia de autoridade aeronáutica.
§ 1º As entidades de que trata este artigo, após serem autorizadas a funcionar, são consideradas de utilidade pública.
§ 2º A formação e o adestramento de pessoal das Forças Armadas serão estabelecidos em legislação especial.
Art. 99. As entidades referidas no artigo anterior só poderão funcionar com a prévia autorização do Ministério da Aeronáutica.
Parágrafo único. O Poder Executivo baixará regulamento fixando os requisitos e as condições para a autorização e o funcionamento dessas entidades, assim como para o registro dos respectivos professores, aprovação de cursos, expedição e validade dos certificados de conclusão dos cursos e questões afins.
Da Formação e Adestramento de Pessoal Destinado à Infra-Estrutura Aeronáutica
Art. 100. Os programas de desenvolvimento de ensino e adestramento de pessoal civil vinculado à infra-estrutura aeronáutica compreendem a formação, aperfeiçoamento e especialização de técnicos para todos os elementos indispensáveis, imediata ou mediatamente, à navegação aérea, inclusive à fabricação, revisão e manutenção de produtos aeronáuticos ou relativos à proteção ao (omissão do Diário Oficial).
Parágrafo único. Cabe à autoridade aeronáutica expedir licença ou certificado de controladores de tráfego aéreo e de outros profissionais dos diversos setores de atividades vinculadas à navegação aérea e à infra-estrutura aeronáutica.”
Redação proposta pelo PLS 258/2016 – Novo Código Brasileiro de Aeronáutica:
“Art. 140. O sistema de formação e treinamento de pessoal é constituído pelas instituições destinadas a formar, treinar, especializar e aperfeiçoar os profissionais da aviação civil, nele incluindo-se, entre outras, as escolas de aviação civil, aeroclubes, escolas técnicas e instituições de ensino superior.
§ 1º O exercício das atividades econômicas previstas neste artigo poderá depender de prévio licenciamento da Autoridade de Aviação Civil.
§ 2º A Autoridade de Aviação Civil poderá estabelecer requisitos mínimos para a realização de cursos e a expedição de diplomas de conclusão.
§ 3º O adolescente terá a oportunidade de formação aeronáutica através da obtenção de licença de piloto de planador a partir dos dezesseis anos de idade, com instrução em solo a partir dos catorze anos completos, desempenhando atividades em caráter não profissional.
§ 4º Uma licença de aluno piloto pode ser concedida a requerentes com dezesseis anos completos, desde que este apresente um termo de compromisso e responsabilidade assinado pelo responsável, com firma reconhecida em cartório, e onde esteja expresso neste termo que o responsável autoriza o aluno piloto a iniciar o treinamento de voo e se responsabiliza pelos atos do aluno piloto.
§ 5º O candidato a licença de piloto deverá ter completado dezoito anos, ressalvado o disposto nos §§ 3º e 4º.
Art. 141 Aeroclube é toda pessoa jurídica com patrimônio e administração próprios, com serviços locais e regionais, cujos objetivos principais são a prática da aviação civil, de turismo e desportiva em todas as suas modalidades, podendo cumprir missões de emergência ou de notório interesse da coletividade.
Parágrafo único. Aeroclubes poderão ser autorizados a funcionar como escolas de aviação desde que autorizado pela autoridade de aviação civil.”
Comentários e Anotações
A preocupação com o desenvolvimento e formação de pessoal para atendimento das necessidades de operação aeronáutica vem revelada, desde logo, pelo atual e vigente Código Brasileiro de Aeronáutica de 1986. Em seu artigo 25, dispõe que a infraestrutura aeronáutica compreende, dentre outros, o sistema de formação e adestramento de pessoal destinado à navegação aérea e à infraestrutura aeronáutica, cuja disciplina vem tratada em capítulo específico (Capítulo VIII, artigos 97 a 100).
Na mesma linha, segue o artigo 38, do PLS 258/2016, ao dispor que a formação e treinamento de pessoal constitui um sistema, integrado num contexto mais amplo da atividade aeronáutica, denominado infraestrutura aeronáutica.
Os objetivos primordiais dos sistemas componentes da infraestrutura aeronáutica são: a promoção da segurança, da regularidade e da eficiência.
A propósito, insta registrar que o parágrafo único do artigo 38, traz a definição do que vem a ser um sistema; e assim o faz:
(...)
Parágrafo único. Sistema é o conjunto de órgãos e elementos relacionados entre si por finalidade específica, ou por interesse de supervisão, coordenação, controle, fiscalização e orientação técnica e normativa, não implicando em subordinação hierárquica.
A leitura comparativa dos dispositivos do vigente C.B.A. de 1986 e do PLS 258/16, nos revela uma mudança de paradigma na formação humana aeronáutica face à realidade consolidada ao longo dos anos.
O C.B.A. de 1986 tem como elemento central na formação e treinamento de pessoal da aviação civil, a figura dos aeroclubes. Estas entidades remontam ao início da segunda década do século XX no Brasil, tendo como marco inaugural o denominado “Aeroclube do Brasil”, no Rio de Janeiro, em 1911 (Artigo 5º,§2º, do Decreto-Lei n.º 205/1967)[1].
Tem-se a notícia histórica de que estes clubes de voo se alastraram pelo País a partir da década de 1930, sob o governo de Getúlio Vargas e principalmente no período da 2ª Grande Guerra e no Pós-Guerra, quando havia escassez de pilotos brasileiros. Houve então uma “Campanha Nacional de Aviação”, cujo lema era “Dêem asas ao Brasil”, idealizada e liderada por Assis Chateaubriand, que incentivava a doação de dinheiro, aeronaves outros materiais para os aeroclubes.
Nessa época mais longeva, aviadores, entusiastas e apaixonados por aviação em geral, reuniam-se, mediante constituição de associações (aeroclubes), para desenvolver a prática do ensino aeronáutico e do voo desportivo.
No entanto, o decorrer dos anos que se seguiram ao pós-guerra, trouxe importantes mudanças no cenário da aviação mundial, seja sob o ponto de vista regulamentar, com a assinatura em 1944 da Convenção de Chicago para Unificação de Certas Regras da Aviação Civil, a seguir com a instalação da ICAO em 1947, seja também em razão do avanço tecnológico experimentado mediante a introdução da era dos jatos ao final da década de 50[2].
A partir dos primeiros passos para unificação internacional nas regras de navegação aérea, bem assim diante do excedente de aeronaves no período posterior à segunda grande guerra, o desenvolvimento da aviação comercial experimentou sensível aumento. Consequentemente, a formação de pilotos foi também paulatinamente evoluindo, deixando de ter apenas o caráter daqueles grupos de entusiastas e intrépidos aviadores que se reuniam em aeroclubes, para tomar um molde mais profissionalizante.
Seguiu-se após a era do jato, a era da automatização das aeronaves, além do ingresso dos computadores e substituição dos mostradores analógicos por displays e telas digitais, de modo que passou a exigir dos profissionais maior rigor técnico na operação.
O avanço nas normatizações de segurança operacional também contribuiu significativamente para que o treinamento de pessoal ganhasse ares mais técnicos, rígidos, eficientes, seguros e profissionais. A própria necessidade de altos investimentos em equipamentos (aeronaves) e materiais (simuladores, sede física, colaboradores treinados) tornou-se um obstáculo para que aquelas associações sem fins lucrativos conseguissem permanecer ativas num mercado em que começou haver concorrência de centros de treinamento densamente especializados em formação de pessoal já preparados para o ingresso no mercado de trabalho; este, por seu turno, já passava a exigir habilidades próprias e desejáveis para operação dos modernos equipamentos das linhas regulares e dos taxi-aéreos.
Hoje, o cenário que vemos é o de que poucos aeroclubes conseguiram sobreviver, já que a falta de subsídios governamentais e ausência de apoio da sociedade civil, aliado à concorrência das escolas mais profissionalizantes, levaram à derrocada de tais entidades. Os aeroclubes ainda em atuação encontraram fórmulas de regionalização, boa administração, criatividade gerencial e de investimentos, tudo de maneira a viabilizar economicamente sua operação.
Incontroverso, porém, a despeito do relevante papel historicamente desempenhado pelos aeroclubes, que hodiernamente deixaram de ser o ponto central, fundamental na formação e treinamento de pessoal. E o projeto de novo código de aeronáutico segue atento a tal realidade, de maneira, então, a alterar este eixo, trazendo previsão de que o sistema de formação e treinamento de pessoal é constituído pelas instituições destinadas a formar, treinar, especializar e aperfeiçoar os profissionais da aviação civil, nele incluindo-se, entre outras, as escolas de aviação civil, aeroclubes, escolas técnicas e instituições de ensino superior.
O próprio parágrafo primeiro do artigo 140, do PLS 258/16, classifica o exercício das atividades de ensino, treinamento e instrução enquanto econômicas, demonstrando, uma vez mais, o viés mercadológico e profissionalizante deste ramo específico.
Nota-se, inclusive, ter havido a introdução de escolas técnicas e instituições de ensino superior, já que hoje estão também se tornando uma realidade, porquanto preparam o jovem para habilita-lo a lidar não apenas com a condução da aeronave, mas também com todas as situações e circunstâncias que hoje envolvem um voo; assim também no que diz respeito ao ensino superior (ciências aeronáuticas a exemplo), onde se busca um preparo ainda maior do aspirante aeronauta, sobretudo diante dos atuais e complexos sistemas tecnológicos das aeronaves, do manejo de recursos humanos, seja de cabine, seja no âmbito externo e que antecedem o voo. Enfim, o grau de especialização e conhecimentos científicos, à vista do avanço tecnológico e do aumento do tráfego aéreo, demandam tais formações. Por isso foram devidamente contempladas no Projeto de Lei.
A mudança de paradigma, como se disse alhures, se faz tão presente no PLS 258/16, queo artigo 141do PLS enumera enquanto objetivos principais dos aeroclubes, a prática da aviação civil, de turismo e desportiva em todas as suas modalidades, podendo cumprir missões de emergência ou de notório interesse da coletividade. Apenas secundariamente, no parágrafo único, é que consta a possibilidade de serem autorizados a funcionar como escolas de aviação, sempre mediante autorização da Autoridade de Aviação Civil, no caso, a ANAC.
Também o PLS 258/16, excluiu a enunciação de que os aeroclubes sejam considerados como de utilidade pública federal. A propósito, nesse passo, a supressão dessa previsão está em conformidade com a lei n.º 13.019/14, que por sua vez extinguiu o título de utilidade pública federal (UPF).
Ainda seguindo pela análise do artigo 140, seu parágrafo segundo aponta que caberá à Autoridade de Aviação Civil o estabelecimento de requisitos mínimos para a realização de cursos e a expedição de diplomas de conclusão. A referida autoridade, no caso, é a Agência Reguladora brasileira específica, ou seja, a ANAC. Nesse sentido funda-se tal competência no disposto no artigo 8º, incisos X, XXX e XXXII, da Lei n.º 11.182/2005.
Prosseguindo, ainda no artigo 140, os parágrafos terceiro e quarto indicam a oportunidade de formação aeronáutica do jovem adolescente, a partir de 14 anos para os casos de instrução em solo para voo de planadores, 16 anos para licença de piloto de planador e 18 anos para licença de piloto de aeronaves. Também aos 16 anos, é possível a obtenção da transitória situação de licença de piloto-aluno de aeronaves, condicionada, entretanto, à existência de termo de responsabilidade firmado pelos responsáveis legais do menor.
A importância de cooptação de adolescentes na formação aeronáutica revela a preocupação com a necessidade de permanente desenvolvimento de pessoal, de modo que a permissão para iniciarem na vida aeronáutica desde cedo, na adolescência, desponta maiores possibilidades de êxito devido às próprias condições físicas e psicológicas daquela fase da vida. Normalmente nestas idades desenvolvem-se os desejos e os primeiros ideais profissionais, daí a importância de fixarem-se tais marcos etários na legislação. Desse modo, torna-se possível, também a criação de uma cultura de aviação, cultivando em todos os brasileiros um sentimento de atenção e identificação com o meio aeronáutico.
LEGISLAÇÃO CORRELATA:
Anexo 1 à Convenção sobre Aviação Civil Internacional
RBAC nº 141 (ANAC)
Resolução n.º 377/2016, ANAC
IS 141-005 - Guia para implementação e manutenção do SGSO em Centros de Instrução de Aviação Civil certificados conforme o RBAC nº 141.
IS 141-006 - Guia para implementação e manutenção do sistema de garantia da qualidade em CIAC.
Autor: Paulo Henrique Stahlberg Natal. Data: 26/02/2021.
[1] § 2º O Aeroclube do Brasil, fundado em 14 de outubro de 1911 e primeira entidade da aviação brasileira com existência legal, por seu primeirismo e pela implantação da mentalidade aeronáutica a que deu curso, é considerado integrante das tradições nacionais na área aeronáutica.
[2] Representada por aeronaves lendárias, tais como, Boeing 707, Douglas DC-8 , Convair CV 880 e Havilland Comet.
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